AINDA HÁ ESPAÇO PARA A NIACINA ?

 
Sabe- se que pacientes com doença cardiovascular apresentam risco substancial de um evento vascular maior, à despeito do tratamento padrão dos fatores de risco.

Dados observacionais indicam que o LDL colesterol está diretamente e fortemente associado com o risco de doença coronariana e que o HDL guarda uma relação inversa. Neste contexto, os guidelines atuais apontam a niacina como uma terapia a ser considerada, visto que em altas doses promove redução dos níveis de LDL e triglicérides e aumenta os níveis de HDL. Entretanto, a adição dessa terapia ao tratamento clínico padrão com estatina não mostrou benefício clínico em estudos randomizados, haja vista o AIM-HIGH Tria que envolveu mais de 3000 pacientes e foi interrompido precocemente pela ausência de benefício aparente.

Nesse cenário, o estudo HPS2-THRIVE foi desenhado para avaliar os efeitos da adição de niacina com laropipranto, à terapia com estatina na prevenção secundária. O laropipranto é um antagonista competitivo da prostaglandina D2, que promove redução da incidência de rubor e calor facial, melhorando a aderência terapêutica.

Trata-se de um estudo randomizado, duplo cego, multicêntrico, que envolveu mais de 25000 pacientes, com idade média de 64.9 anos e predominância do sexo masculino (82.7%). O desfecho primário avaliado foi a incidência de eventos vasculares maiores (IAM, AVC ou revascularização arterial). O estudo incluiu uma fase de run-in, ou seja, antes de serem randomizados, os dois tratamentos foram testados e só entraram no estudo os pacientes que toleraram o tratamento, o que reduz a validade externa dos achados. Nessa fase, todos os pacientes do estudo utilizaram sinvastina 40 mg, adicionando-se ezetimibe 10 mg, se necessário, objetivando um controle adequado dos níveis de LDL. Essa desenho de estudo evita a interferência dessa variável nas análises, mantendo-se o foco apenas na avaliação do HDL. Desta forma, os pacientes no momento da randomização apresentavam um perfil lipídico favorável com HDL médio de 44 mg/dL e LDL médio de 63 mg/dL. Estes pacientes, na prática clínica, dificilmente seriam escolhidos para o uso da niacina.

Os resultados foram avaliados pelo princípio da intenção de tratar e não mostraram benefício em redução de risco de eventos cardiovasculares maiores, como IAM ou AVC, quando comparado ao uso isolado de estatina. Além disso, houve um aumento significativo na incidência de eventos adversos não fatais, como sangramento (intra-craniano e gastrointestinal), miopatias, infecções, novo diagnóstico de diabetes ou uma piora do controle glicêmico em pacientes previamente diabéticos. Lembrando que a incidência na população geral desses efeitos deve ser ainda maior, visto que trata-se de uma população selecionada pela fase de run-in.

Diante dos resultados desse estudo, o papel do HDL como fator de risco se reduz, devendo ser encarado como um marcador de risco cardiovascular. Desta forma, devemos deixar de lado a heurística da normalização e evitar uma busca desenfreada por valores elevados de HDL, que não trazem benefícios e podem causar graves efeitos adversos.

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