LEVO-CTS: é melhor prevenir do que remediar?


Qual a possibilidade de uma droga que “aumente a força” de contração cardíaca evitar síndrome de baixo débito, em pacientes com disfunção sistólica grave, encaminhados para cirurgia cardíaca? A princípio poderíamos considerar isso algo óbvio, afinal nada mais intuitivo do que essa associação, entretanto, falando em ciência, apenas isso não é suficiente, portanto as ideias devem ser devidamente testadas.
E justamente isso foi avaliado no LEVO-CTS: a eficácia e segurança do Levosimendan para evitar síndrome de baixo débito em pacientes de alto risco encaminhados para cirurgia. Trata-se de um estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego, com pacientes com fração de ejeção ≤ 35% com indicação de cirurgia cardíaca e uso de circulação extracorpórea. As cirurgias contempladas foram: revascularização do miocárdio (CABG), CABG com intervenção na valva aórtica, cirurgia na valva mitral ou qualquer combinação desses procedimentos. Vale ressaltar que no protocolo a medicação / placebo eram iniciados antes de iniciar a cirurgia e eram continuadas por até 24 horas após o procedimento. Para a análise de eficácia foram considerados 2 desfechos primários: 1- combinado de quatro componentes (morte em 30 dias, infarto perioperatório em 5 dias, terapia de substituição renal (TSR) em 30 dias e uso de dispositivo de assistência ventricular esquerda em 5 dias); 2- combinado de dois desfechos (morte em 30 dias ou uso de dispositivo de assistência ventricular esquerda em 5 dias). Vale ressaltar que foi calculado tamanho amostral específico para cada um dos componentes, evitando assim o problema das múltiplas comparações. Se por um lado isso foi algo positivo, devemos dizer que o cálculo para o 2º desfecho primário foi fraco, sendo definido um poder de apenas 61% para a redução definida.
Com relação aos resultados, as características de ambos os grupos, assim como as das cirurgias e medicações utilizadas, foram semelhantes. Como esperado são pacientes graves, com múltiplas comorbidades e a principal indicação foi a de CABG. Com relação à segurança, não houve grandes efeitos adversos, sendo o principal motivo para descontinuidade da medicação a ocorrência de hipotensão, apesar de ter sido igual em ambos os grupos.
Com relação à análise do desfecho primário, não houve diferença entre os grupos, tendo ocorrido os diferentes desfechos igualmente em ambos os grupos. Importante observar que o número de desfechos necessários para análise foi atingido, reforçando a validade do resultado esperado. Portanto, visto isso, podemos afirmar que o Levosimendan não preveniu a ocorrência de síndrome de baixo débito nos pacientes com IC grave encaminhados para cirurgia. Uma observação interessante da análise de subgrupo é a incidência da síndrome em ambos os  grupos, apesar de estatisticamente significante a diferença a favor do grupo droga, por ser desfecho secundário, não podemos cravar isso como uma evidencia a favor da droga. Mas chama atenção a ocorrência de síndrome de baixo débito em ¼ dos pacientes do grupo placebo (108 pacientes), ou seja, aqueles que teoricamente seriam beneficiados pelo uso de inotrópicos positivos.

Portanto, apesar da ideia de prevenção ser algo intuitivo, não houve benefício clínico nesta conduta. Isso apenas reforça a necessidade de sempre estarmos atentos ao real valor das ações tomadas. Afinal, diversos são os vieses cognitivos que nos levam a considerar óbvias decisões muitas vezes pouco exploradas. Devemos pensar valor no sentido mais amplo da palavra, seja econômico, eficácia, efeitos adversos e praticidade da realização. Não devemos nos empolgar pelo novo sem antes refletir em todas as suas consequências. 

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