Garoto de 16 anos, com dor torácica típica para Infarto e Supradesnível do Segmento ST



Reprodução da Discussão Informal de Caso Clínico

André Durães

Esta madrugada 0h chegou um CASO super interessante!!!

Garoto 16 anos, previamente HÍGIDO, procurou hospital com dor RETROESTERNAL de forte intensidade em aperto + vômitos (02 episódios) iniciada mais intensamente às 19h.

ECG com BRD + SUPRA ST 2 mm em D1 e aVL  / supra ST V3r e V4r / INFRA ST INFERIOR e discreto supra st lateral

Fiz isordil SL com melhora completa da dor. 0:10 acionei a hemodinâmica por ter considerado como IAM com SUPRA.

O CAT foi NORMAL (sem obstruções) .

Fiz na emergência ainda AAS 200 mg / Brilinta 2 comp.

Pela manhã Moises fez ECOTT e evidenciou alteração SEGMENTAR (acho que inferolateral).

Há suspeita de Miocardite, mas na minha opnião foi IAM por vasoespasmo.

Gostaria de compartilhar e ouvir a opinião de todos, pois é um caso bastante atípico e interessante.

1ª Tropo AS: 2600   e MB 178 (por volta disto).

Realmente a UCI nos ensina a cada dia!!!


Luis C. L. Correia

Acho que você fez certíssimo, a suspeita principal é IAM e a conduta inicial foi perfeita.
Também continuo achando que isso é IAM, pela tipicidade da dor, Ecg e nível de elevação dos marcadores. 

Faremos uma ressonância para confirmar o diagnóstico, pois IAM causa realce do endocárdio para o pericárdio, diferente de pericardite. 



Márcia Noya


Também concordo com que a conduta inicial foi certíssima. Porém aos 16 anos sem fator responsável pelo espasmo e/ou trombofilia. Pelo ECG o supra parece ser difuso: d1-avl- v3r-v4r. Qual seria a artéria responsável ? A ressonância vai fechar o caso!


André: tem infra PR no ECG? 


André Durães

Foi de madruga …nao lembro de infra do PR.

Mas o 1º ECG veio com SUPRA INFERIOR (na verdade onda p invertida – acho que foi eletrodo invertido)

O supra de AVL está com o padrão ‘classico de correto de lesao’  de V5 e V6 bem DISCRETO.... de D1 meio inclinado...

Se ele tivesse > 40 anos era IAM.....

A dor foi tipo A!!!!  E houve melhora após isordil!


Guilherme Garcia

O paciente tem anemia falciforme?
Algum caso na familia? Qual sua etnia?



André Durães

 Nega comorbidades, casos na família e é branco.


Cláudio das Virgens

Férias na praia, contemplando o marzão azul sob um sol de 38•C, não tem preço..., mas o sundown fator 59 FPS R$ 44,90 no MasterCard....

Caros colegas e Dr House Durães, na admissão dor torácica tipo A, com supra de ST lateral + infra inferior com BRD (novo), possibilidade de lesão de CX ou MGE, independentemente da idade a primeira SD é IAM, por uso de amina com ação simpaticomimetica por via inalatória entre outras causas...já referidas antes. 

Com 16 anos o prognóstico é de alto risco e deve receber melhor tratamento disponível, como foi feito.  A fato de ter coronárias normais não exclui o diagnóstico de IAM, uma vez que atende plenamente os critérios redefinidos pela OMS em 2001.

Em 1997, Dr Robert Lee Jesse na Current Opnion in Cardiology editou a seguinte revista Acute Chest on Emergency Department, se não me engano, onde informa que todo dor torácica tipo A ou B ou "C", deve seguir o seguinte fluxo de dianóstico e tratamento: 1)IAM--> 2) SCA 3) Outras síndromes isquêmicas, ..., assim, o autor acredita que não daremos alta inadvertida da emergência a um portador de SCA, em seguida, nos remete a pensar em outras causas se dor torácica: TEP, Dissecção de AO, miocardite, etc...

Uma vez excluído a presença de DAC grave para ICP ou RM e com a evolução com modificação da sintomatologia, também concordo com os caminhos adotados.

Ah, o sol, mar e uma loura devassa, desculpe vou voltar para o mar com João Pedro e minhas princesas, rs,rs,rs...fui


Mateus Viana

Acredito que este caso tenha sido realmente um IAM. Parabéns André, pela indicação do CAT.

Conversei com o paciente hoje e a dor também me convenceu. Disse que estava em repouso, jogando video game, quando foi acometido por forte dor retroesternal de duração de duas horas, que recorreu pouco tempo depois, durando quatro horas, impossibilitando-o de dormir... Disse que em alguns momentos achava que estava relacionada com a ventilação, mas a melhora com o nitrato e o caráter opressivo da dor me convenceram.



O CAT não demonstrou coronariopatia obstrutiva. As artérias estavam dilatadas (possivelmente foi feito em vigência de nitrato), com o fluxo lento, porém não demonstrou qualquer lesão obstrutiva. O padrão de circulação era balanceado, com um grande ramo marginalis e um ramo descendente posterior esquerdo. Há realmente um marginal direito precoce, quase com um óstio separado da ACD, mas isto não é anomalia de coronária. 



Achei a indicação do CAT muito bem feita e nestas horas temos que pensar que há sim a ocorrência de IAM em pacientes jovens, quer por anomalias de coronárias, aneurismas e outras causas não ateroscleróticas.
Tem um dado da história interessante:
O paciente, um dia antes da internação, foi picado por abelhas. Recebeu quatro ou cinco picadas na mão, ficando muito edemaciada, com uma significativa reação urticariforme segundo ele e a tia. Trabalhei em um serviço que invariavelmente víamos quadros de IAM por picada e escorpião, acidentes por aranha peçonhenta, etc, mas nunca abelhas. Por curiosidade, fui no PubMed pesquisar sobre IAM e picada de abelhas, além de IAM e miopericardite. Para minha surpresa, há mais de 15 relatos de IAM decorrentes a estes eventos e nenhum relato de miopericardite. O fenômeno descrito é de um IAM decorrente ao fenômeno de Kounis, uma reação inflamatórica e alérgica (acredita-se ser IgE dependente), que pode provocar alterações de vasomotricidade e por vezes formação de trombos. Inclusive, este é um fenômeno que está também associado à ocorrêcia de trombose de stents farmacológicos, como uma reação ao polímero presente nestes stents.



Luis C. L. Correia

Excelente revisão Mateus, acrescenta bastante e nos dá mais uma opção para explicar um infarto em um menino de 16 anos. Médicos diferenciados são capazes de receber um caso e analisar o quadro clínico, evitando a heurística de achar que não é infarto só porque é um garoto de 16 anos.
Foi isso que André fez e você está ratificando agora. 

Vamos pensar que a RM vai ser o próximo exame. 
Este exame não traz uma informação determinística. Como em quase tudo, teremos que fazer um raciocínio probabilístico para interpretar a ressonância. Sendo assim, temos que estimar a probabilidade pré-teste do infarto e da pericardite, antes de ver o resultado do teste.
Eu diria 50% para cada uma. Ou seja, estamos em cima do muro. A probabilidade é intermediária para qualquer um dos casos. Sendo assim, apesar de não determinística, a RM será o divisor de águas.

Alguém tem alguma estimativa diferente da probabilidade pré-teste?


André Durães

Creio que as contribuições de todos colegas foram fantásticas, incluindo do Guilherme.

Acredito que após alguns anos de experiência no atendimento de pcts críticos em geral nos faz ter convicção em determinadas condutas muitas vezes invasivas e quase heroicas...

Como um time ‘campeão’ , o ‘técnico’ é o grande exemplo e motivador....

Admiro muito o perfil da coordenação atual em confiar e ‘defender’ a postura e conduta de nós plantonistas em momentos críticos como este onde a Fé do médico como Técnico, como Cientista, como Profissional nos faz tomar algumas decisões que podem algumas vezes mudar o prognóstico do paciente...

Isto serve também para nos mostrar como a ANAMNESE, EXAME FÍSICO e algum exame acessório simples nos leva a ter um ‘FEELING’  na hora de tomar a decisão final.

É muito valioso analisar a história escrita por qualquer colega antes de também ‘acreditar’ só no que o paciente diz no dia seguinte porque eles chegam ansiosos, com ‘adrenalina’ e as vezes confusos...

Vejam como cada caso é um caso.... no Leito 01 temos um pact com SUPRA por Miopericardite....o pct é homem e tem 43 anos... por que não pedi CATE?  Porque inconscientemente ao somar a ANAMNESE + EX FISICO + ECG apesar de ser um pct com possibilidade maior de ser portador de DAC, não havia dados ‘clinicos’ suficientes para indicar o CATE como método de emergência.

Esta complexidade e as vezes subjetividade da medicina nos faz refletir que além de Ciencia, medicina é ARTE.

Para refletir:

“The question I have been most frequently asked during my years with the JAMA covers is:
"Why art on the cover of a medical journal?
What has medicine to do with art?
Let's look at what medicine and art have in common:
First, they share a common goal: to complete what nature has not.
Second, they have a common substrate, the physical, visible world of matter.
More significant, however, are the similar qualities of mind, body, and spirit demanded of the practitioners of each, painter and physician.
Chief among them is an eye: the ability not only to observe, but to observe keenly -- to ferret out the tiny detail from the jumble of facts, lines, colors -- the tiny detail that unlocks a painting or a patient's predicament.
Observation demands attention, and this is the key to both art and medicine. Attention is nothing more than a state of receptiveness toward its object, the artist to nature, the viewer to the work of art, the physician to the patient. It is no accident, I believe, that clinicians -- or treating physicians, as they are often called -- are referred to as "attending physicians." "Attention" and "attend" are both derived from the same Latin root meaning "to stretch toward."
Many more "affinities" exist between medicine and the visual arts, but I will close with just one: Medicine is itself an art. It is an art of doing, and if that is so, it must employ the finest tools available -- not just the finest in science and technology, but the finest in the knowledge, skills, and character of the physician. Truly, medicine, like art, is a calling.
And so I return to the question I asked at the beginning.
What has medicine to do with art?
I answer: Everything.
That's my opinion. I am Dr. Therese Southgate, Senior Contributing Editor of JAMA.



RESULTADO DA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: Realce tardio mesocárdico, sugestivo de miocardite.






Comentários

  1. É muito bom saber que medicina ainda é arte hoje em dia.

    Quando estamos na pratica clínica no dia a dia tomamos as decisões clínicas quase que no automático. Decoramos protocolos e condutas frente a tal paciente que possui os seguintes achados...

    Ver a discussão deste paciente e a possura da equipe da UCI nos inspira a seguir por esse caminho de pensar medicina e não a robotizar a medicina.

    Parece estranho um estudante estar falando como se tivesse uma larga experiência (como o editor do JAMA), mas a convivência com essa equipe já nos ensinou muitas coisas.

    Falando de arte, quem não conhece deveria ver o quadro "O médico" (procurem assim no google). Ele transforma em imagem tudo o que falei.

    Michael

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  2. Para nós, internos, é muito gratificante acompanhar um serviço de qualidade. Diante de um quadro atípico a equipe mostra-se estimulada! O que vemos frequentemente é o desinteresse diante de um caso "raro". Se é raro, devemos fingir que não vimos?!

    Na passagem de plantão eu me deparo com "fenômeno de Kounis". Eis o estímulo para aprender!

    Obrigada e parabéns pela rica discussão.

    Ísis V. Lima

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  3. Muito lindo tudo que foi postado! Parabens a todos! Digo lindo porque a estetica do caso, da conduta, das observaçoes e das reflexoes sao dignas da arte, a arte medica. Nao deixem de mandar o seguimento.
    Nila Costa

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  4. Acredito que não temos como dissociar a história prévia de contato com abelhas com o quadro clínico, uma vez que o paciente referia ter apresentando cefaléia recorrente entre os eventos(picada e dor torácica), sugerindo um quadro sistêmico. A injúria segmentar, apesar de ter sugerido quadro coronariano, com suas condutas corretamente adotadas, também pode fazer parte do quadro de miocardite. Parabéns a todos!

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  5. Dr André Durães: me orgulha muito saber que é um médico inteligente e que sua experiência te capacita para ser um médico de UTI e emergência.O que me entristece é perceber que toda sua dedicação não é unânime para com todos os seus pacientes, que sua atenção é maior direcionada para os pacientes do Hospital São Rafael do que quando se trata do Ana Nery...sou sua paciente lá!
    Dr Mateus Vianna: muito obrigado pela força que me deu no meu cateterismo feito por você no HUPES. Nunca esquecerei seus olhos azul naquele dia!Me parecia um anjo!Chorei muito, mas você fez acontecer!!!!!

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Dr.Andre Durães a sua dedicação pode até ser para todos do Hospital São Rafael, mas comigo teve uma conduta errada, inapropriada e até irresponsável com a minha condição de portadora de feocromocitoma. Colocando a minha vida em risco.
    Concordo com a opinião acima sobre Dr.Mateus Vianna ele é um medico excelente, extremamente cauteloso e competente.
    E todos os outros da UCI do São Rafael nada negativo tenho a dizer, a eles só elogios.

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  8. Simplesmente lindo. A medicina é algo que me encanta muito, e essa matéria me encheu de alegria.

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