The INTERHEART study
Lancet 2004; 364: 937 - 952
Nesta sessão tivemos a oportunidade de discutir um artigo
clássico da cardiologia: o INTERHEART. Publicado em 2004 na Lancet, trata-se de
um caso-controle, multicêntrico, aberto, que incluiu 29.972 pacientes de 52 países
diferentes e 7 continentes. Fundamentado no fato de que apesar de 80% dos danos
das doenças cardiovasculares ocorrerem em países pobres e emergentes, o conhecimento
dos fatores de risco é derivado quase que exclusivamente de estudos em países desenvolvidos. Baseado
nisso o objetivo foi determinar a força de associação de fatores de risco para
doença cardiovascular e o primeiro infarto agudo do miocárdio, além de avaliar
se existe variação geográfica da importância desses fatores de risco.
Nos países participantes, todos os pacientes independentemente
da idade, admitidos em unidades cardiovasculares com tempo de sintomas menor
que 24 horas, foram avaliados para inclusão. Considerados elegíveis aqueles com
sintomas compatíveis e alterações eletrocardiográficas indicativas de IAM. Ao
menos um paciente controle pareado por idade e sexo foi selecionado para cada
caso. Como critério de exclusão os controles não poderiam ter doença
cardiovascular prévia. Foram aplicados questionários padronizados para todos
admitidos, com variáveis demográficas, sociais, clínicas, econômicas, psíquicas
e de estilo de vida. O foco do trabalho ficou em nove fatores de proteção ou
risco para doença coronária, de fácil mensuração (tabagismo, HAS,
DM, dislipidemia, obesidade, dieta, atividade física, uso de álcool e fatores
psico-sociais).
O primeiro questionamento que temos que nos fazer antes de
analisar se os resultados encontrados poderão ser confiáveis é se para este
trabalho o desenho de pesquisa foi adequado? Em teoria quando queremos determinar fatores
de risco o melhor desenho é uma coorte prospectiva, então porque o INTERHEART
foi um caso-controle?
A explicação para esta escolha parece recair sobre dois
pontos: (1) O objetivo do trabalho não era identificar os fatores de risco,
pois estes já foram identificados previamente através de trabalhos clássico
(ex: Framingham), mas sim analisar a força de associação entre estes e IAM e comparar
com a distribuição ao longo de diferentes continentes. (2) Em trabalhos de
coorte partimos da exposição para o desfecho. No caso de doenças
cardiovasculares esse tempo exposição >
desfecho é prolongado, portanto, necessitaríamos um número ainda maior de
participantes no estudo, bem como de um grande tempo de seguimento, aumentando
assim os custos e adiando publicação do trabalho de maneira desnecessária.
A amostra de paciente foi composta em sua maioria por homens
(cerca de 76%), apresentando uma variação geográfica importante em relação a
idade na época do primeiro infarto. Foi notada maior precocidade na Ásia e
Europa Central e apresentações mais tardias na Europa ocidental, China e Hong
Kong. É interesse notar que em países com IAM mais precoces existia uma maior
proporção de homens e que as mulheres infartaram em média 10 anos mais tarde. Imaginamos
que esta diferença está relacionada à qualidade da assistência a saúde. Os países
pobres evoluíram no controle de doenças infecto-contagiosas, porém ainda
precisam evoluir no controle de doenças cardiovasculares.
Em relação aos fatores de risco todos os identificados
tiveram forte associação com IAM (p<0.0001). Após análise multivariada
dislipidemia e tabagismo (OR:3.25 e 2.87) ficaram como os principais fatores de risco,
seguidos de diabetes , hipertensão e os fatores psíquicos-sociais (OR:2.37,
1.91, 2.62 respectivamente). Consumo diário de frutas e vegetais, exercício
físico e consumo de álcool 3 a 4 vezes por semana foram fatores de proteção
(OR:0.7, 0.86, 0.91).
Devemos aqui nos perguntar se todos esses são fatores risco
ou existem também apenas marcadores de risco? Por exemplo, o fator psico-social
está de fato causando o infarto? Mesmo
em um analise multivariada com todas variáveis ajustadas, sempre em estudos
observacionais existem fatores de confusão residuais. Estes podem não estar
dentro deste modelo, mas influenciarem de alguma forma os resultados. Talvez o
estresse emocional não seja por si mesmo um fator de risco. Mas porque não
fazemos o mesmo questionamento para dislipidemia? Estudos intervencionistas demonstraram
que o tratamento da dislipidemia se associou com redução de risco
cardiovascular (critério de reversibilidade). No estresse emocional é mais difícil
imaginar um estudo com esse finalidade (variável abstrata), portanto permanece
a dúvida (erro metodológico X associação verdadeira).
Uma ferramenta epidemiológica interessante utilizada no
INTERHEART e que merece ser discutida, é o risco atribuível populacional (RAP).
Esta passa idéia de o quanto podemos reduzir de uma determinada enfermidade
(ex: infarto) quando retiramos um fator de risco específico (ex:DM). O trabalho
identificou que se os nove fatores de risco/proteção já citados fossem
eliminados, 90% dos infartos seriam evitados em homens e 94% em mulheres. Saímos
da medicina focada no individuo (consultório) e focamos nossa atenção na
sociedade.
A mensagem final que o INTERHEART deixa é que os fatores de
risco de ontem são os mesmos de hoje, independentemente do sexo e continente em
questão. Também é um estudo importante para orientação de políticas públicas,
que através de medidas simples, podem reduzir drasticamente a ocorrência de
infarto.
Muito bom. O INTERHEART é um estudo muito legal para quem visa aprender mais sobre cardiologia.
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