RACE II X ORBIT AF: Controle de Frequência cardíaca na Fibrilação Atrial.
A Fibrilação atrial não é uma
condição benigna. É a arritmia supraventricular mais freqüente, sua prevalência
aumenta com a idade e, frequentemente, está associada a doenças estruturais
cardíacas, trazendo complicações especialmente tromboembólicas, como o AVC, com
grandes implicações na morbi-mortalidade da população, além de causar sintomas
incapacitantes e comportar-se como fator de pior prognóstico para Insuficiência
cardíaca.
Alguns estudos antigos
estabeleceram que as taxas de complicações e morte foram semelhantes nos
pacientes com FA recebendo terapia de controle de Frequência cardíaca e
naqueles que recebem terapia de controle do ritmo. O controle de Fc, então,
tornou-se linha de frente no manejo da FA, mas o nível ótimo de controle de Fc
é desconhecido e não existiam evidências científicas que corroborrassem com
essa estratégia terapêutica.
Diretrizes não baseadas em
evidências, recomendam o uso de controle rigoroso de Fc para reduzir os
sintomas, evitar a taquicardiomiopatia, melhorando, consequentemente, a
qualidade de vida e a tolerância ao exercício, reduzindo a insuficiência
cardíaca, e melhorando a sobrevida. No entanto, o controle rigoroso da taxa
poderia causar efeitos adversos relacionados as drogas, incluindo bradicardia,
síncope e necessidade de implantação do marcapasso.
Nesse contexto, dois estudos da
última década, foram publicados no New England, em 2010, o RACE II e posteriormente,
o ORBIT AF, os quais trouxeram dados sobre controle de frequência cardíaca na
FA permanente. O RACE II, estudo multicêntrico, prospectivo, aberto,
randomizado, objetivava determinar se em pacientes com FA permanente o
controle brando da Fc ( < 110 bpm) seria não inferior ao controle rigoroso (
< 80 bpm). Possuía como desfecho primário um composto de condições clínicas,
algumas inclusive sem relação direta com o controle da Fc, não sendo sensíveis
à intervenção. Já o orbit AF, foi um estudo observacional, que avaliou o
controle da FC e os desfechos subsequentes entre pacientes com FA permanente,
descrevendo os padrões de controle de FC na prática clínica dos EUA, a relação
entre FC de repouso e sintomas relacionadas a FA e estimava a relação entre o
controle da FC de repouso e resultados subsequentes, incluindo mortalidade por
todas as causas.
O RACE II foi um estudo de não
inferioridade e, portanto, com possibilidade de uma
maior tolerância do resultado final. Nesse caso,
o controle mais permissivo da Fc poderia até ser pior, em função do benefício
de ter menos efeitos adversos. No grupo de controle estrito de Fc, após cada intervenção
terapêutica, o paciente era submetido a um Holter de 24h, o que subestima a
incidência de efeitos adversos. Não
pode-se esquecer do Viés de Desempenho já que os pacientes com controle
restrito eram mais vistos pelo médico assistente e também melhor manejados com
relação a outros efeitos colaterais, como sangramento, devido ao uso do Marevan
(único disponível na época). O grupo restrito teve cerca de 600 visitas, enquanto
o grupo leniente teve apenas 75 visitas. No estudo, pode-se ver que houve
pouca diferença no controle de FC entre os dois grupos: leniente em torno de
78bpm -, ou seja, os dois grupos estavam na verdade estritos.
O grupo estrito teve mais eventos
(43) do que o leniente (38), porém desses eventos, 15 foram sangramentos, ou
seja, um desfecho que não tem relação com o controle de FC. Pelo desfecho
primário combinado o estudo tentou aumentar o poder estatístico, mas como a
amostra foi pequena o número de desfechos foi insuficiente. No fim das contas, o RACE acabou sendo um
estudo sem poder, tendo calculado 25% de desfechos, obteve apenas 13%. Apresentou n amostral com pacientes de Fração
de ejeção normal, o que talvez possibilite extrapolar as conclusões para
pacientes com IC FEN, de baixo risco e apenas isto.
Já o estudo ORBIT AF por ser
observacional possui claramente um viés de seleção, já que as pessoas que têm a
frequência cardíaca baixa são diferentes – comorbidades, raça e precisariam ser
distribuídas aleatoriamente. E trata-se de ser exploratório, não devendo,
portanto, mudar a conduta na prática clínica. Podemos perceber que entre os
grupos deste trial, os que apresentam maior FC são 21% NYHA III/IV e por isso
não temos como saber se a taxa de mortalidade foi pela maior FC, como o estudo
quer mostrar, ou pela gravidade inerente à doença de base. Foram evidenciados também inúmeros fatores de confusão que influenciaram no desfecho final (gravidade,
comorbidades).Tais fatores precisam entrar na análise multivariada
independente do valor de P, para ajustar o peso dos confundidores, mas não se
pode esquecer que não exclui todos, como ocorre na randomização. Esse artigo
Pós RACE II é impreciso e mesmo com amostra grande não corrige erro
sistemático, como viés de confusão, só corrige viés de amostragem. Ao
contrário, amostras muito grandes, podem até exarcebar o viés de confusão - problema
comum do Big Data.
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