O Coração em Tempos de
Copa do Mundo
Passado um mês
da copa e todas as emoções, chega a hora de refletir...
Em tempos de
copa do mundo surgem sempre as histórias de alguém que “infartou” graças às fortes
emoções futebolísticas. Prontamente vem na memória o jogo de Brasil e Chile que
fez repercutir na mídia um caso de infarto que levou a morte um torcedor
carioca de 69 anos, que assistia o jogo no Mineirão. Neste mesmo jogo foram registrados pelo menos
mais quatro casos de “princípio de infarto” dentro do estádio. Mais próximo a
nós um torcedor Holandês foi admitido em nossa unidade coronariana com um
típico quadro de infarto agudo do miocárdio. Os “Hermanos Argentinos”
registraram duas mortes por infarto em torcedores que comemoravam a vitória da
Argentina sobre a Holanda.
Diante desses
casos é inevitável então surgir um questionamento: Será que as pessoas infartam
mais na copa do mundo? Muito se especula sobre isso, principalmente os mais
empolgados temem o fatídico dia. O que se sabe é que todos esses casos de
infarto ocorrem em pacientes que já possuem doença arterial coronariana prévia,
na verdade a forte emoção funciona como um gatilho que desencadeia o evento.
Importante
lembrar também que em tempos de copa do mundo não há algo mais típico que os
excessos alimentares, comidinhas diferentes, acarajé, abará, churrasquinho,
queijo coalho, peixinho frito... as bebidas alcoólicas nem se fala... todos os
torcedores eufóricos, degustando a cerveja, a caipirosca, a pinga...
Estes relatos
já vem de outras Copas do Mundo e estudiosos já se preocuparam em tentar verificar
se há associação entre infarto e copa do mundo. Borges e colaboradores em 2013
publicaram um estudo que tinha por objetivo avaliar os efeitos agudos do
estresse ambiental induzido por jogos da Copa do Mundo no aumento da incidência
de doenças cardiovasculares no Brasil. Através de um estudo
descritivo-observacional com informações de bancos de dados puderam verificar
que a copa do mundo e, especialmente, os jogos da seleção brasileira implicam
em maior incidência de infarto agudo do miocárdio, mas não de mortalidade
intra-hospitalar. 1
Em 2008 os
alemães publicaram um estudo realizado durante a copa do mundo da Alemanha em
2006 que visava avaliar a relação entre o estresse emocional durante o período
da copa do mundo e a incidência de eventos cardiovasculares. Trata-se de um
estudo prospectivo que comparou a incidência de eventos no período de 9 de
junho a 9 de julho 2006 com um período
equivalente em 2003 e 2005, este estudo foi capaz de identificar que uma partida de futebol estressante mais
do que duplica o risco cardiovascular de evento agudo (infarto ou arritmia
grave). Este trabalho não foi capaz de identificar os gatilhos exatos que
provocam o aumento do risco, no entanto, sugere que noites mal dormidas,
excesso de alimentos não saudáveis, álcool, tabagismo e transgressão
medicamentosa podem ser fatores que contribuem fortemente.2
Um outro
estudo publicado em 2002, avaliou a população da Inglaterra na Copa do Mundo da
França em 1998, intencionava comparar a proporção entre o número de internações
por infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, auto-mutilação e
lesões por acidente de transito, além de comparar a incidência de eventos com o
mesmo período de anos anteriores. O estudo verificou que houve um aumento de
25% em internações por IAM no dia e dois dias após o jogo que a Inglaterra
perdeu da Argentina nos pênaltis, no entanto, não houve aumento na proporção de
nenhuma outra patologia analisada. Concluiu então que o estresse emocional
provocado por uma derrota em jogo de Copa do Mundo leva a uma maior incidência
de infarto agudo do miocárdio.3
A literatura
considera que o impacto emocional de eventos desafiadores pode perturbar o
neuroendócrino, hemodinâmica e sistemas endoteliais, resultando em rupturas de
placas ateroscleróticas vulneráveis.
E
respondendo o nosso questionamento inicial a literatura demonstra que sim, as
pessoas infartam mais durante a Copa do Mundo, todos se emocionam de uma única
vez, milhões de pessoas possuem um único gatilho e naquele momento aumentam as
estatísticas do infarto. No entanto, os que sofrem os eventos são indivíduos
que já possuem uma doença coronariana de base e principalmente aqueles que
possuem gatilhos adicionais, além da própria emoção com a atuação da sua
equipe. São pessoas que iriam ter o infarto em outro momento de emoção, seja na
formatura de um filho, na perda de um ente querido, numa mudança de emprego,
num momento de aperto financeiro... Assim, de forma individual a Copa do Mundo
não provoca impacto sobre o risco absoluto de infarto.
Diante disso
será que devemos considerar estratégias para lidar com os efeitos das
perturbações físicas e psicomotoras agudas que ocorrem nas partidas de futebol
da Copa do Mundo? Seria importante a instalação de um processo de prevenção,
uma espécie de check-up do torcedor? Talvez surja ai um problema de saúde
pública, investimentos excessivos na investigação de indivíduos de baixo risco
gerando o fenômeno do overdiagnosis e
mesmo o overtreatment como
consequência, sobrecarregando os
sistemas de saúde e criando uma nova doença para o paciente/torcedor.
Referências
1- Borges,
Daniel Guilherme Suzuki et al . Copa
do mundo de futebol como desencadeador de eventos cardiovasculares. Arq. Bras. Cardiol., São Paulo
, v. 100, n. 6, June 2013
2- Ute Wilbert-Lampen,
M.D., David Leistner, M.D., Sonja Greven, M.S., Tilmann Pohl, M.D., Sebastian
Sper, Christoph Völker, Denise Güthlin, Andrea Plasse, Andreas Knez, M.D.,
Helmut Küchenhoff, Ph.D., and Gerhard Steinbeck, M.D. Cardiovascular Events during World Cup Soccer. N Engl J Med 2008;
358:475-483
3- CarrollDouglasEbrahimShahTillingKateMacleodJohnSmithGeorge DaveyAdmissions for
myocardial infarction and World Cup football: database survey
Muito interessante essa matéria. Em tempos de copa, acho que todo mundo acaba cometendo alguns pecados quanto à excesso. Por isso é bom se atentar sempre a isso.
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