Estudo Brigde: menos, em alguns casos, pode ser mais.
A interrupção da
anticoagulação com warfarina para a realização de cirurgia ou procedimento
invasivo eletivo, em pacientes portadores de fibrilação atrial (FA), é uma
situação comumente enfrentada pelo Cardiologista. O risco de um evento
tromboembólico, nesse grupo de pacientes é muito temido, fato esse que gerou uma
necessidade de se realizar uma terapia que teoricamente garantisse uma proteção
a essa população enquanto a anticoagulação permanecesse interrompida, a ponte
de heparina.
Alguns estudos de caráter
observacional tentaram avaliar a melhor dose e o momento para a realização da
ponte de heparina, entretanto essas questões ainda permanecem incertas,
inclusive a própria necessidade da realização da ponte de heparina em si,
fazendo com que existam divergências entre as diretrizes.
Devido ao exposto acima, o
presente estudo objetivou avaliar a necessidade do uso da ponte de heparina,
antes e após a cirurgia ou procedimento invasivo. Os autores acreditavam que a
não realização da ponte seria não inferior em relação a fazer, para prevenção
de fenômenos tromboembólicos arteriais e, superior em relação a uma menor taxa
de sangramento maior. Foi realizado um ensaio-clínico randomizado,
multicêntrico, duplo-cego, com análises de intenção de tratar e “as treated”.
Pacientes foram divididos em dois grupos: ponte com Dalteparina vs Placebo. A
warfarina era interrompida 5 dias antes do procedimento proposto, enquanto que
a HBPM ou placebo eram iniciados e mantidos até 24 horas antes da operação.
Após o procedimento, a warfarina era reintroduzida 12-24 horas após garantida
hemostasia do paciente e a HBPM/placebo 24-72 horas a depender do risco de
sangramento da cirurgia pré-estabelecido.
Os pacientes foram analisados após 30-37 dias
do procedimento quanto aos desfechos primários de eficácia (fenômenos
tromboembólicos arteriais) e de segurança (Sangramento maior). Em relação ao
desfecho primário de eficácia não houve diferença entre os grupos analisados
com p de não inferioridade de 0,01. Já no desfecho primário de segurança, os
pacientes que não foram submetidos à terapia de ponte tiveram quase três vezes
menos eventos (1,3% vs 3,2% com p de superioridade de 0,005).
A primeira vista parece que
não fazer a ponte de heparina é vantajoso. Não agrega risco de eventos
tromboembólicos arteriais e poupa o paciente de um risco desnecessário de
sangramento. Entretanto, analisando criticamente o estudo, podemos perceber que
o CHADS médio da amostra estudada foi de 2,3. É verdade que uma grande parcela
da população encontra-se representada pelo estudo, fazendo com que possamos
prescindir, com certa tranquilidade, da terapia de ponte nos nosso pacientes em
que o perfil se assemelhe.
Pacientes de CHADS mais
altos (5 e 6) não foram representados no estudo assim como procedimentos
cirúrgicos mais complexos (cirurgia cardíaca e neurocirurgia) não foram
incluídos; grupo que sabidamente tem maior risco de complicações
tromboembólicas e hemorrágicas. Sabemos que o benefício relativo de uma terapia
é transferível para todos os estratos de gravidade. Além disso, o escore de
CHADS2 avalia o risco de fenômenos tromboembólicos em um ano, nos parecendo
razoável pensar que nessa população poderíamos, também, não utilizar.
Entretanto, à luz da
medicina baseada em evidências, tomadas de decisões baseadas em suposições e
extrapolações, sem uma análise crítica, bem conduzida e embasada, pode nos
levar a conclusões que não reflitam a verdade, podendo inclusive trazer
prejuízos àqueles que são o propósito de qualquer estudo: o paciente. Sendo
assim, estudos tendo como amostra a população de maior risco são necessários.
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