Série Insuficiência Cardíaca – O clássico estudo COPERNICUS: o Carvedilol mudando os conceitos do tratamento da IC avançada


"EFECT OF CARVEDILOL ON SURVIVAL IN SEVERE CHRONIC HEART FAILURE"
N Engl J Med, Vol. 344, No. 22·May 31, 2001



O estudo COPERNICUS (Efect of Carvedilol on survival in severe chronic heart failure) foi publicado em maio de 2001 na revista New England Journal of Medicine, provocando uma revolução nos paradigmas do tratamento da insuficiência cardíaca avançada.

Até a sua publicação, admitia-se o beta-bloqueio apenas em pacientes com insuficiência cardíaca em classe funcional NYHA – II e III, sendo concebido por estudos anteriores que quanto mais avançada a doença, menos efetivo seria o tratamento betabloqueador e maiores os seus efeitos deletérios ao paciente.

O COPERNICUS foi um estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado, placebo controlado, realizado em 21 países que avaliou o benefício do uso do Carvedilol em pacientes com IC crônica isquêmica ou não isquêmica, em classe funcional NYHA III e IV, com FE de < 25%, mesmo com terapia convencional otimizada (diuréticos e IECA / BRA2). Os pacientes deveriam estar euvolêmicos, sem estertores pulmonares e ascite e possuir apenas discreto edema periférico. Foram excluídos da amostra os pacientes cuja causa da IC fora doença valvar primária não corrigida; portadores de formas reversíveis de cardiomiopatia ou com hepatopatias, nefropatias e pneumopatias severas; candidatos ao transplante cardíaco; história de IAM ou AVEI recentes, revascularização miocárdica nos últimos 2 meses; contraindicação ao uso de betabloqueadores, uso de betabloqueadores nos últimos 2 meses ou  alfabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio ou antiarrítmicos classe I nos últimos  4 meses antes da randomização e finalmente, pacientes sob cuidados intensivos, em uso de vasodilatadores ou inotrópicos positivos intravenosos; ou seja: aqueles de extrema gravidade.

 Os pacientes testados receberam doses crescentes de Carvedilol até a dose máxima de 50mg por dia. Em seguida, houve o acompanhamento bimestral dos pacientes e a dose poderia ser reduzida ou suspensa conforme a necessidade, com reintrodução e nova titulação o mais precocemente possível.
O efeito do Carvedilol foi avaliado por subgrupos segundo 6 variáveis: idade, sexo, Fração de ejeção ( > ou < 20%); etiologia isquêmica ou não, localização do centro de estudo e história de hospitalização dentro de 1 ano antes do estudo. 

As análises mostraram redução de 35% no risco de morte com o uso do Carvedilol  (IC 19-48% / p= 0,0014), com risco cumulativo de morte em 1 ano de 11,4%, contra 18,5% no grupo Placebo (NNT = 14). Considerando o desfecho combinado de morte ou hospitalização, houve também  redução de 24% no grupo em uso de Carvedilol  em relação ao grupo Placebo (IC 13-33% / p< 0,001). Também na análise por subgrupos, o Carvedilol demonstrou redução significativa do risco relativo, denotando benefício no tratamento da IC avançada.

Entretanto, o COPERNICUS foi um estudo truncado. O ensaio, que fora concebido para ser aplicado até a ocorrência de 900 óbitos (com N= 3214 pacientes), foi então interrompido em março de 2000, com apenas 320 óbitos e 2289 pacientes estudados. Este truncamento ocorreu sob recomendação do conselho de monitoramento de dados e segurança do estudo, que alegou que os efeitos significativos do Carvedilol na sobrevida excedia os limites pré-especificados.

Muito embora o COPERNICUS tenha se consagrado como grande vedete no estudo do tratamento da IC severa, resultando na introdução do Carvedilol no tratamento de pacientes com classe funcional elevada e resultando em marcante melhora na sobrevida destes pacientes desde então, há que se considerar alguns aspectos polêmicos do estudo. O primeiro ponto a ser comentado é o fato de que, embora os pacientes incluídos na amostra encontrem-se em Classe funcional NYHA III e IV, a amostra não inclui uma parcela significativa dos portadores de IC grave: aqueles de extrema gravidade, com FE < 20%, hipervolemia e necessidade de cuidados intensivos e medicamentos de uso endovenoso.

Além disso, o fato de o estudo ter sido truncado nos leva a considerar o efeito de magnificação do benefício do uso do Carvedilol , uma vez que ao se reduzir o número de pacientes estudados em relação ao número inicialmente proposto por análises estatísticas, ocorre uma supervalorização da redução do risco relativo. Em outras palavras, o truncamento faz o resultado do estudo parecer melhor do que de fato seria sem a sua interrupção.  Por outro lado, observamos também que a maioria dos estudos envolvendo o uso de betabloqueadores no tratamento da IC, independente da classe funcional, foi truncada tal como o COPERNICUS e sob a mesma alegação.


Apesar dos pontos anteriormente expostos, consideramos o estudo COPERNICUS como um dos mais importantes e revolucionários ensaios clínicos em insuficiência cardíaca. O benefício dos betabloqueadores, demonstrado pelo estudo, se reflete na melhora da qualidade de vida e no prolongamento da sobrevida dos pacientes com IC severa observados diariamente na nossa prática clínica, sendo os betabloqueadores itens obrigatórios nas prescrições médicas dos portadores desta condição.



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