FDA apresenta: PRECISION Trial
Desde a sua
criação nos anos 60, os AINE's se tornaram rapidamente a classe de medicamentos
mais prescrita em todo o mundo, com mais de 100 milhões de prescrições por ano
apenas nos EUA. A farmacologia da inibição da COX-1 e seu efeitos indesejados
na fisiopatologia renal, gástrica e plaquetária motivaram o desenvolvimento dos
AINE's COX-2 seletivos, aos quais são atribuídos uma menor taxa de eventos
adversos dessa ordem.
Um deles ficou
estigmatizado por aumentar eventos cardiovasculares. O famoso Vioxx
(rofecoxibe), outrora bastante prescrito, foi retirado de circulação nos EUA
pelo FDA em 2004, após pequenos estudos pós-comercialização acusarem aumento de
risco cardiovascular (CV). O Celecoxibe foi mantido no mercado, mas sob
condição de desenvolver um estudo para avaliar a segurança CV desta droga.
Essa segurança
foi testada no PRECISION trial, um estudo randomizado, multicêntrico (926
centros em 13 países), duplo-cego e de grupos paralelos. Com hipótese de não
inferioridade do celecoxibe em relação aos AINE's não seletivos (ibuprofeno e
naproxeno). Foram incluídos pacientes com osteoartrite ou artrite reumatóide
requerendo tratamento com AINE e doença CV ou risco CV aumentado segundo
critérios pré-determinados.
Cada um dos 3
grupos (celecoxibe, naproxeno e ibuprofeno) recebeu suas drogas da alocação
mais placebo. Além disso - e bastante intrigante, diga-se de passagem - foi
dado a todos os paciente 20 - 40 mg de esomeprazol diário durante todo o
estudo. Isto certamente aproxima os resultados de eficácia de cada dos AINE's,
o que prejudica a teórica superioridade do celecoxibe para desfechos
gastrointestinais (GI) em relação aos seus competidores.
O desfecho
primário foi morte CV incluindo por hemorragia, IAM não fatal e AVC não fatal.
Os desfechos de eficácia (eventos GI e renais) foram secundários - uma inversão
de papéis no raciocínio da MBE, pois só não-maleficência não justifica uso.
Dentre 24000
pacientes estudados, a média de idade foi de 63 anos, 65% de predomínio de
mulheres, 90% incluídos por conta de osteoartrite, 45% em uso prévio de AAS (o
que poderia magnificar os eventos GI), 80% de hipertensos e 63% de
dislipidêmicos. O tempo médio de uso de AINE em todos os grupos foi de 20 ±16
meses.
O desfecho
primário foi obtido 2,3%, 2,5% e 2,7% dos grupos celecoxibe, naproxeno e
ibuprofeno, respectivamente, sem significância estatística para nenhuma das
comparações (em análise por intenção de tratar), o que prova com bastante
propriedade que o celecoxibe é de fato seguro quanto ao risco cardiovascular.
Talvez o rofecoxibe tenha sido demonizado injustamente. É o que pode acontecer
quando evidências de baixa qualidade são usadas como referência.
Quanto aos
eventos GI, o grupo celecoxibe teve significativamente menos eventos que o
naproxeno [1,1% vs 1,5%, HR 0,71 (IC 95% 0,54-0,93) P 0,01] e que o ibuprofeno
[1,1 vs 1,6, HR 0,65 (IC 95% 0,50-0,85), P 0,02]. Aqui vale lembrar que todos
os paciente usaram IBP, o que reduz a taxa de eventos gastrointestinais
causados por AINE's. Mas pode-se perceber que a redução relativa do risco (RRR)
foi de 30% e este impacto é inerente à medicação, diferente da redução absoluta
do risco, que depende do risco da população estudada. Num artigo de revisão de
2010, foi documentada taxa de eventos gastrointestinais relacionada a uso de
AINE de 20%. Aplicando-se a RRR de 30%, os COX-2 seletivos trazem essa taxa
para 14%.
Hoje
(08/12/2016), uma caixa com 20 comprimidos de ibuprofeno 600 mg custa R$ 4,27.
Uma cartela com 2 comprimidos de naproxeno 375 mg custa R$ 3,95. Uma caixa com
20 comprimidos de celecoxibe 100 mg custa R$ 50,73. O NNT do celecoxibe para
redução de (quaisquer) desfechos GI em relação a esses dois gira na casa dos
200 (IC 95% 152 – 261), um NNT muito fraco para desfecho mais fraco ainda.
Quanto aos
defechos renais, o grupo celecoxibe foi semelhante ao grupo naproxeno [0,7% vs
0,9%, HR 0,79 (IC 95% 0,56-1,12), P 0,19] e melhor que o ibuprofeno [0,7% vs 1,1%,
HR 0,61 (IC 95% 0,44-0,85), P 0,004], com um NNT de 250 (IC 95% 177-354). A
lição mais importante que parece ficar é que AINE’s de forma geral não são
emissários malignos da liga de combate ao rim, dada a taxa pequena de eventos
mesmo com uso prolongado dessas drogas. Também não parece justificável o uso de
um COX-2 seletivo para reduzir um desfecho pouco frequente e que em grande
parte das vezes se resumirá a uma elevação transitória de escórias renais.
Concluindo,
comprovada a segurança deste COX-2 seletivo, ressalta-se a estranheza do
desenvolvimento de um trabalho apenas para atestar segurança. Esse tipo de
demanda já se tornou algo conhecido por parte do FDA, a exemplo do caricatural
caso da não-inferioridade a placebo para os novos hipoglicemiantes orais. Afinal
ser seguro apenas não justifica o emprego de uma terapia. Antes de mais nada, é
preciso haver um benefício.
Comentários
Postar um comentário