SÉRIE DAC: Estudo VANQWISH - Ser invasivo ou ser conservador: faz mesmo diferença? ( Ou: a saga dos copos "indecisos")



Um pouco antes da publicação do RITA 3 em 2002, tema da nossa postagem anterior, um outro trial se propôs a comparar o impacto da estratégia invasiva versus a estratégia conservadora na abordagem do IAM sem onda Q (nomenclatura adotada na época para o que hoje denominamos IAM sem supra de ST).

O estudo VANQWISH foi iniciado em 1993, período que antecedeu a liberação dos stents metálicos para o tratamento da doença coronariana e também o advento dos inibidores da GP IIb/IIIa (Tirofiban). Finalizado em 1996 e publicado no NEJM em 1998, sua conclusão final foi de que a abordagem conservadora não somente é uma opção segura para os pacientes com IAM sem onda Q; mas além disso, a maioria destes pacientes não se beneficiariam da abordagem invasiva precoce de rotina.

Mas será mesmo esta a verdadeira conclusão por trás dos números? Ou estaríamos diante de mais um "copo indeciso", como foi o RITA 3? E se a conclusão do VANQWISH fosse realmente tão consistente, qual a razão de 4 anos após sua publicação precisarmos de um outro estudo para comparar "mais do mesmo"?

O VANQWISH foi um estudo cujos participantes eram veteranos das forças armadas norte americanas; por esta particularidade, apenas 3% dos pacientes inclusos eram do sexo feminino. O ensaio clínico foi desenvolvido em 17 centros, com 920 pacientes que foram randomizados, dentro de 24 a 72 horas desde o início do evento isquêmico , para receberem abordagem invasiva precoce (462 pacientes) versus abordagem conservadora e terapia isquemia-guiada ( 458 pacientes).
O desfecho primário foi o composto de morte ou IAM não fatal e os desfechos secundários: mortalidade global e complicações maiores da angiografia coronária ou cirurgia de revascularização. O tamanho amostral foi calculado baseado na hipótese de 20% de desfecho primário no grupo conservador (controle) em 12 meses. A hipótese nula seria aceita se a diferença entre os grupos não ultrapassasse 7,5%. A homogeneidade entre os dois grupos foi garantida através do procedimento de atribuição adaptativo.

Os pacientes elegíveis deveriam apresentar IAM em evolução, com níveis de CKMB maiores que 1,5 vezes o valor de referencia e nenhuma onda Q patológica ou ondas R anormais* em ECGs seriados nas 48h subsequentes à admissão.  Os pacientes do grupo da estratégia invasiva foram encaminhados à angiografia coronariana logo após a randomização e em seguida, submetido a uma modalidade de revascularização (cirúrgica ou angioplastia por balão). Os pacientes do grupo da estratégia conservadora, no entanto, tiveram como teste não invasivo inicial a ventriculografia nuclear para avaliação da função do VE, com a subsequente terapêutica clinica otimizada e, antes da alta hospitalar, foram submetidos a testes provocativos de isquemia (Teste ergométrico ou cintilografia de perfusão miocárdica) e encaminhados para angiografia apenas se apresentassem: angina recorrente com alterações eletrocardiográficas; infra de ST de pelo menos 2 mm no pico do exercício, defeitos de perfusão em 2 ou mais regiões vasculares diferentes na cintilografia com tálio ou aumento de redistribuição com aumento da captação de tálio pelo pulmão. Os pacientes foram acompanhados por 12 meses após a alta hospitalar.

As taxas cumulativas para o desfecho primário (morte ou IAM não fatal) a longo prazo não diferiram significativamente entre os dois grupos (HR 0,87; IC 95%: 0,68-1,10).  Também a longo prazo, a mortalidade cumulativa por todas as causas não foi diferente entre os grupos ( HR: 0,72; IC 95%: 0,51-1,01).  Antes da alta hospitalar, contudo, houve maior número de mortes ou IAM não fatal no grupo da estratégia invasiva precoce ( 36 X 15 eventos; P= 0,004), assim como em 1 mês de seguimento (58 X 36 eventos; P = 0,05). Nos pacientes submetidos às modalidades de revascularização (cirurgia / angioplastia por balão), o numero de mortes foi equivalente: os pacientes do grupo de estratégia invasiva precoce morreram mais que os da estratégia conservadora, quando submetidos à cirurgia (11,6% X 3,4%); entretanto, quando submetidos à angioplastia, não foram registradas mortes no grupo de estratégia invasiva, apenas no grupo de estratégia conservadora, o que no final da análise resultou em uma diferença não significativa do número de mortes entre os dois grupos ( 5,4% no grupo de estratégia invasiva X 3,9% no grupo de estratégia conservadora).

Por fim, o estudo finaliza suas análises citando os resultados da avaliação dos subgrupos, onde se observou melhores resultados com a estratégia conservadora em 4 subgrupos: nos maiores de 60 anos, na presença de Infra de ST, nos portadores de IAM prévio e nos pacientes submetidos à trombólise. Entretanto, devemos considerar as limitações estatísticas das análises de subgrupos.

Ao analisarmos mais profundamente os dados do VANQWISH, observamos que muito embora nos pareça, à primeira vista e numa leitura rápida, demonstrar superioridade da estratégia conservadora em detrimento da invasiva no contexto de um IAM sem onda Q (quando a sua proposta inicial era comparar a estratégia invasiva, tendo como controle a estratégia conservadora), o que na verdade o estudo demonstra é uma não inferioridade da estratégia invasiva em relação à conservadora.

Traçando novamente um paralelo entre o VANQWISH e o seu sucessor, RITA - 3, já discutido anteriormente, retomamos à ideia do copo meio cheio/ meio vazio do post anterior: ambas as estratégias apresentam resultados similares, em última análise e a longo prazo; a diferença reside na forma de olhar estes resultados.  O grande trunfo do RITA - 3 em relação ao VANQWISH e que demonstrou diferença estatística significativa naquele estudo para a estratégia invasiva precoce foi a inclusão da angina entre os desfechos co-primários e a sua redução a curto e longo prazo; evento este que não foi incluso nos desfechos do VANQWISH.

(* Ondas R anormais segundo critérios de Atlanta)


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