SÉRIE DAC: Estudo RITA 3 e o dilema do copo meio vazio ou
meio cheio da SCA sem supra
Na década de
90 e início dos anos 2000, muita controvérsia se tinha a respeito da melhor
conduta a ser tomada frente a um caso de síndrome coronariana aguda sem supra
do segmento ST, de um lado haviam argumentos para uma conduta medicamentosa a
princípio, e cateterismo cardíaco apenas se houvesse angina recorrente, ou após
algum teste não invasivo evidenciando isquemia; e do outro lado, argumentos
para cateterismo precoce e daí ser tomada a decisão: se angioplastia,
revascularização cirúrgica, ou até mesmo, manter conduta conservadora.
Nesse cenário,
surgiu no The Lancet no ano de 2002, o RITA 3, um trial que comparou essas duas
estratégias de tratamento. Foram recrutados 1810 pacientes admitidos em
unidades de emergência com quadro de angina associada a onda Q patológica prévia
ou a alteração isquêmica no ECG ou a DAC prévia conhecida. No grupo de CATE
precoce (procedimento feito dentro de 72h da randomização) mostrou uma redução no
desfecho combinado de morte geral, IAM não fatal e angina em 4 meses, comparado
ao grupo conservador – 9·6%
x 14·5%, HR 0·66 (0·51–0·85), p 0·001, com bom NNT 20 (IC 14 - 48). Porém, no
seguimento de 1 ano, não houve diferença entre os grupos. Avaliando
separadamente cada desfecho nesse combinado, o único que mostrou diferença
estatística foi a angina, tanto em 4 meses (4.3% x 9.2%, p 0.0001, NNT 20 (IC
16-34)), quanto em 12 meses (6.4% x 11%, p 0.0001, NNT 20 (IC 15-38)),
mostrando que a redução da dor foi a responsável pela positividade do desfecho
primário.
Analisando cada grupo mais de
perto, na intervenção precoce, praticamente todos foram para o CATE e 57%
destes prosseguiram para a revascularização, seja por angioplastia, ou por
cirurgia; enquanto no grupo conservador, 48% dos pacientes precisaram ser
submetidos a angiografia em algum momento durante 1 ano, e destes, 28%
realizaram algum tipo de revascularização.
Assim, de acordo com esse
trial, o cateterismo cardíaco dentro de 72h reduz angina de forma consistente,
porém desfechos mais duros como IAM e morte não sofrem impacto. Então para
redução de morbidade (dor), é interessante essa conduta precoce. Porém, para
aqueles que preferem manter uma estratégia mais conservadora, aguardar
“esfriar” a síndrome coronariana sem supra e depois avaliar um cateterismo, não
seria um pensamento incoerente, já que poderia evitar este procedimento
invasivo em cerca de metade dos pacientes, e assim não os expondo aos riscos
inerentes do exame. Ou então, aqueles pacientes que estão internados em locais muito
distantes de um centro de hemodinâmica, que não recorrem angina durante o internamento,
poderiam ter alta hospitalar e fazer uma avaliação ambulatorial posteriormente
com testes não invasivos.
Um outro pensamento também
pode ser feito para o grupo conservador, mesmo com um tratamento parcimonioso,
metade dos pacientes precisariam de um estudo invasivo das coronárias em algum
momento, o que acabaria retardando a redução da morbidade (angina) e, ainda por
cima, com uma eficácia menor.
Diante de tudo, vemos que para
o RITA 3 a escolha da estratégia de tratamento para SCA sem supra é um verdadeiro
dilema do copo meio cheio ou copo meio vazio, a depender do olhar do avaliador,
teremos benefícios distintos com base na conduta que escolhermos, benefícios
estes que podem ser avaliados individualmente a depender do perfil, evolução e
local do atendimento do paciente.
http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(02)09894-X/abstract
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