SURTAVI: Troca de Válvula Aórtica por Cateter em pacientes de risco cirúrgico intermediário
A indicação de tratamento cirúrgico de Estenose Aórtica (EAo) importante em pacientes sintomáticos é inquestionável. Entretanto, há duas formas de fazê-lo. Por cirurgia aberta e Transcateter (TARV). Classicamente, reservamos a indicação de TARV para pacientes de risco cirúrgico elevado. Seguindo o racional de que podemos extrapolar a estimativa de benefício para pacientes de risco cirúrgico intermediário, foi publicado em Maio de 2016 o estudo PARTNER 2, que mostrou não inferioridade de TARV frente ao tratamento cirúrgico convencional.
Com objetivo muito semelhante, o estudo SURTAVI (Surgical Replacement and Transcatheter Aortic Valve Implantation), publicado em Março de 2017, também no NEJM, comparou essas duas opções terapêuticas para pacientes com EAo importante, sintomáticos, de risco cirúrgico intermediário. O resultado foi o mesmo: TARV é não inferior. Então porque publicar um estudo praticamente igual? O que a conclusão do SURTAVI nos acrescenta? Para responder a primeira pergunta é preciso entender que entre o desenho do estudo e sua publicação se passam alguns anos. Então o que ocorreu foi que dois grupos pensaram em testar a mesma hipótese em um período semelhante e um grupo terminou antes do outro. Para responder a segunda é preciso ir mais além. Segundo Sir Austin Bradford Hill, epidemiologista britânico que propôs critérios de Causalidade, quando existe uma reprodutibilidade de uma determinada conclusão em mais de um estudo, a chance chance dessa conclusão ser verdadeira é maior. Este princípio é conhecido como Consistência.
Outros pontos merecem ser contemplado em uma análise mais criteriosa do SURTAVI. Pacientes de risco intermediário foram definido pelo escore STS com mortalidade estimada de 3 a 15%. Além disso, 80% dos pacientes tinham mais de 75 anos. Dessa forma, a população estudada não parece ser tão risco intermediário assim, o que poderia favorecer o tratamento via TARV, por ser menos invasivo e de menor risco.
Outro destaque diz respeito a um desfecho de segurança: a taxa de implante de marcapasso definitivo no grupo TARV foi de 25,9% contra 6,6% no grupo de cirurgia convencional. Certamente é um número que chama a atenção e que deve ser pesado na decisão compartilhada com o paciente.
Seguindo nossa análise crítica, ensaios clínicos representam o mundo ideal onde todos as variáveis são controladas e os resultados mostrados traduzem ou não a eficácia do tratamento. Quando tentamos incorporar os dados de um estudo na pratica, esbarramos em uma série de dificuldades que não estão presentes no ambiente controlado de um ensaio clínico. Por isso, habitualmente, o tratamento tem uma performance pior no mundo real (à isso damos o nome de efetividade). Podemos evidenciar esse conceito claramente nos resultados de mortalidade geral em 30 dias no grupo cirúrgico que foi de 1,7%. Este valor está muito abaixo do estimado para população do estudo pelo EuroSCORE (11,9%) e pelo STS (3 a 15%). Dessa forma, devemos levar em consideração no nosso pensamento clínico, para nossos pacientes do dia a dia, que ao indicar uma cirurgia convencional para EAo importante, a mortalidade esperada no curto prazo será maior que a presente no estudo.
Por fim, ficamos com a mensagem de que o estudo ratifica a indicação segura de TARV para pacientes com EAo sintomática de médio risco cirúrgico.
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