Devemos indicar ablação
para pacientes isquêmicos portadores de CDI com taquicardia ventricular
recorrente?
O tecido cicatricial que se forma
em ventrículos como consequência de uma área infartada oferece risco
substancial de ocorrência de arritmias ventriculares, pois fibrose é um dos
substratos mais arritmogênicos que existe. São as chamadas taquicardias ventriculares
scar related (associadas a cicatriz).
Em pacientes que sofreram infarto, com baixa fração de ejeção, esse tipo de
arritmia oferece risco substancial de morte. O cardioversor-desfibrilador
implantável (CDI), entretanto, reduz significativamente esse risco.
Nos EUA, ocorrem anualmente cerca
de 100.000 implantes de CDI, sendo que cerca de 15% desses pacientes são
tratados concomitantemente com drogas antiarrítmicas (DAA). Cerca de 38%
recebem um choque apropriado nos primeiros 5 anos. A ocorrência de choques
repetitivos, entretanto, prejudica a qualidade de vida e aumenta o risco de
morte e de hospitalização. Em determinado ponto, é possível que o médico
assistente escolha entre realizar escalonamento de drogas antiarrítmicas ou
oferecer a ablação da taquicardia ventricular. Há dúvidas quanto ao melhor
caminho a seguir, e foi isso que o trial VANISH
se propôs a testar.
O VANISH, trial multicêntrico randomizado, não cego, selecionou 259 pacientes
com miocardiopatia isquêmica, portadores de CDI, em uso de DAA das clases I ou
III e com episódio de taquicardia ventricular nos últimos 6 meses (esse poderia
ser definido de acordo com quatro critérios distintos). Eles foram randomizados
para serem submetidos à ablação da taquicardia ventricular ou ao escalonamento
das DAA (nesse grupo, todos os pacientes passaram a utilizar amiodarona em
doses otimizadas ou amiodarona + mexiletina).
O desfecho primário foi definido
como um combinado de morte em qualquer momento, tempestade elétrica (três ou
mais episódios de taquicardia ventricular em 24h) ou choque apropriado do CDI
após 30 dias do início do tratamento (para garantir impregnamento adequado
pelas drogas).
Foi detectada uma redução
discreta na incidência do desfecho primário nos pacientes submetidos à ablação,
com HR 0,72 (IC 95% 0,53 – 0,98), P = 0,04. Tratou-se de uma diferença pouco
significativa, com um intervalo de confiança do HR que chega próximo ao 1.
Aparentemente, a maior parte da diferença se deveu à redução de tempestade
elétrica. Notavelmente, não existiu diferença quando morte, tempestade elétrica
ou choque apropriado foram testados de maneira individual. Na verdade,
pouquíssimas das mortes registradas no estudo se deveram a arritmias. Como
desfecho secundário, o VANISH aponta uma redução na incidência de taquicardia
ventricular sustentada abaixo da zona de detecção do CDI no grupo ablação, HR
0,27 (IC 95% 0,09 – 0,84), P = 0,02.
Em uma análise de subgrupo, ele
demonstra redução no desfecho primário ao selecionar somente pacientes que já
estavam em uso prévio de amiodarona no momento da randomização, HR 0,55 (IC 95%
0,38 – 0,8), P = 0,001.
Importa observar: após cálculos, os pesquisadores
consideraram que não seria necessário levar o estudo até o final. Assim o
VANISH foi truncado com 1 ano a menos de follow-up. Sabemos que o
truncamento não é adequado, a menos que a terapia testada provoque importante
aumento de desfechos. Assim, interromper o estudo passa a ser uma questão
ética. No fim das contas, o estudo não é convincente quanto à indicação da
ablação nesses pacientes, ao contrário do que ele sugere em sua discussão. Na
verdade, talvez ele tenda a nos orientar quanto a situações mais específicas em
que a ablação possa ser bem empregada, como naqueles pacientes com tempestade
elétrica refratária à otimização de drogas antiarrítmicas. O desfecho “morte”,
talvez, nem devesse ter sido testado. Afinal, não era esperado que a terapia
oferecesse redução de mortalidade. Assim sendo, não existe mudança de paradigma
no tratamento desses pacientes, e a indicação do procedimento continua baseada
em um julgamento caso a caso.
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