Digoxina e Mortalidade em Pacientes com Fibrilação Atrial
A digoxina é uma droga bem estabelecida na medicina:
usada em cerca de 30% de pacientes com FA no mundo e cuja janela terapêutica é estreita
e seus níveis séricos influenciáveis por interações medicamentosas e
comorbidades. A ausência de trials
que estimem a eficácia a longo prazo/segurança em pacientes com FA ainda gera resultados
controversos. Diante deste cenário, o autor quis fazer uma análise ‘post-hoc’
de subgrupos de digoxina do ensaio ARISTOTLE (Que comparou Apixaban vs
Warfarina para prevenção de AVC ou embolia sistêmica em pacientes com FA e pelo
menos 1 fator de risco adicional para AVC).
Foi um estudo publicado em Março/2018
pelo Jornal do ACC e cuja idéia do trabalho foi a de aproveitar o banco de
dados de um estudo anterior (ARISTOTELE), já que não há, até hoje, um racional
muito grande que suporte que digoxina aumenta a mortalidade especificamente em
pacientes com FA. E daí começa a primeira crítica ao trabalho: uma menor confiabilidade
do estudo, uma vez que a probabilidade pré-teste da hipótese é menor já que “não
houve uma ideia”; não era uma hipótese que a comunidade científica vinha
observando acontecer e estava ‘curiosa em testar’ (situação esta em que a
probabilidade pré-teste seria maior e a confiabilidade do estudo também).
Seguindo esse raciocínio, em
sendo um estudo observacional, retirado de um ensaio clínico randomizado, esteve
sujeito a muitos confundidores, ainda que tais possíveis vieses tenham sido
reconhecidos pelo próprio autor e tenham sido objeto de aplicação de análises estatísticas
na tentativa de minimizar tais possíveis confundidores.
O objetivo inicial do estudo foi avaliar
se o uso de digoxina foi associado independentemente ao aumento de mortalidade
por todas as causas. Dois resultados foram alcançados: em pacientes que já usavam a droga e nos que
passaram a usar durante o seguimento. Naqueles que já faziam uso da Digoxina,
com ou sem IC relatada, não houve aumento de mortalidade; nos que iniciaram a
medicação durante o estudo, houve aumento de mortalidade. Porém, o autor
valoriza apenas o resultado positivo em sua conclusão e surge a pergunta: “Por
quê”? Talvez não tenha sido encontrada uma diferença de mortalidade do “início”
x “não início” e, então, outra análise tenha sido questionada para justificar
essa diferença, encontrando a observação do nível sérico da Digoxina (análise
esta que utilizou os mesmos pontos de corte do estudo DIG: concentração sérica
>= 1,2 como associada a uma mortalidade mais alta).
E mais um crítica surge nesse
contexto: a análise das curvas “início” x “não início” da Digoxina que mostra
essa diferença de mortalidade não tem significância estatística, porém, quando uma
subanálise ajustada por cada dose de droga é feita, a diferença é encontrada.
Outro ponto a ser citado é que,
na análise dos resultados no grupo de uso prévio da Digoxina observa-se que não
houve aumento da mortalidade com ou sem IC; porém o autor destaca a quantidade
final numericamente maior desse grupo, ainda que não tenha havido significância
estatística, induzindo o leitor a pensar que houve, sim, aumento da mortalidade
associada a droga neste grupo investigado.
Diante de tais observações,
tem-se que o resultado do estudo foi negativo (“Avaliar se o uso de digoxina
foi associado independentemente ao aumento de mortalidade por todas as causas”),
mas o autor publicou o resultado positivo encontrado em subanálises outras fora
do objetivo inicial do estudo.
Qual o valor preditivo positivo
da digoxina aumentando mortalidade na FA? Não sabemos. Nunca se avaliou a FA
isoladamente, de modo que sempre existirão confundidores nas análises
realizadas neste subgrupo de estudo (Via de regra, os pacientes são mais
graves, muitas vezes com terapia otimizada, sem muitas outras opções terapêuticas
a serem tomadas).
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