Ablação Cirúrgica da FA Durante Cirurgia de Válvula Mitral: prova de conceito





N Engl J Med 2015; 372:1399-1409April 9, 2015DOI: 10.1056/NEJMoa1500528


A Fibrilação Atrial (FA), está presente em 30 a 50% dos pacientes submetidos a cirurgia de valva mitral (CMV). Está associada com redução de sobrevida e aumento do risco de AVC.

A evolução das técnicas cirúrgicas de ablação da FA tem levado a um amplo uso durante as cirurgias cardíacas, entretanto a sua eficácia e segurança não foram rigorosamente testadas, levando a uma grande variação na prática entre os cirurgiões.

Estudos prévios mostraram benefício quanto a realização da ablação cirúrgica durante a cirurgia de valva mitral, entretanto devido ao fato de não terem sido randomizados, haver uma heterogeneidade da população estudada, ausência de medidas de resultado padronizadas e a dificuldade em monitorar e acompanhar os pacientes, existe uma dificuldade em quantificar a real eficácia desse procedimento em indivíduos portadores de FA que se submetem a cirurgia valvar mitral.

Nesse cenário, foi realizado um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, envolvendo 260 pacientes com FA persistente/ persistente de longa duração que seriam submetidos à cirurgia valvar mitral, com o objetivo de determinar o efeito da ablação cirúrgica sobre a recorrência de fibrilação atrial 6 meses e 1 ano após a cirurgia. Além disso, foram avaliados os efeitos dos dois procedimentos de ablação (isolamento de veias pulmonares ou procedimento de maze) na ausência de FA neste mesmo período. O desfecho primário de ausência de FA em 6 e 12 meses após a cirurgia, foi avaliado através de Holter de 3 dias. Os desfechos secundários incluíram intervenções antiarrítmicas, mortalidade por todas as causas, eventos cardíacos e cerebrovasculares maiores e escores de qualidade de vida.

O estudo mostrou que os pacientes submetidos à ablação cirúrgica tiveram um aumento significativo na taxa de ausência de FA em um ano (63,2%vs 29,4%) quando comparados ao grupo que realizou apenas a cirurgia de valva mitral, diferença estatisticamente significativa (p<0,001). Entretanto, houve um aumento significativo na taxa de implante de marca-passo definitivo ( 21,5 vs 8,1 implantes por 100 pacientes-ano; p < 0,01), sem diferença entre as técnicas de ablação. Em relação a mortalidade por todas as causas, eventos cardíacos e cerebrovasculares maiores e escores de qualidade de vida, não houve diferença entre os grupos estudados.

Existem alguns pontos do estudo a serem considerados. Cerca de vinte por cento dos pacientes não completaram a análise do desfecho primário. Os autores não descrevem se realizaram uma análise de impacto nos resultados obtidos, podendo ter superestimado ou subestimado os resultados encontrados. A taxa de sucesso encontrada no que tange à ablação cirúrgica foi inferior a média de outros estudos (63,2% vs 80%), o que pode ser justificado pela forma como foi avaliado a recorrência de FA. Na maioria dos estudos foi utilizado o holter de 24 horas, enquanto que no atual estudo o desfecho primário foi avaliado por holter de 3 dias, apresentando taxas de sucesso semelhante a encontrada em estudo prévio que utilizou monitoramento contínuo através de loop implantável.
Outro ponto a ser sinalizado foi a alta taxa de implante de marcapasso definitivo no grupo submetido a ablação, o que pode ser justificado em parte pelo fato de que mais de 50% dos pacientes submeteram-se a cirurgia multivalvar, o que confere um maior risco de bloqueio atrioventricular. Além disso, trata-se de uma população com idade elevada (> 50 % com idade de 70 anos ou mais), podendo já ter alterações estruturais no sistema de condução.

Apesar de  ter encontrado uma diferença estatisticamente significativa em favor da ablação cirúrgica no que tange a ausência de FA após cirurgia de valva mitral, não houve benefício clínico de tal abordagem. Tal achado pode ter sido em decorrência do fato de que todos os pacientes estudados tiveram seu apêndice atrial esquerdo excluído/excisado e mais de 75% dos pacientes estavam em uso de algum tipo de ACO. Sabe-se que estudos prévios que compararam o controle do ritmo versus controle de frequência, não conseguiram mostrar benefícios do controle do ritmo, sendo o controle da frequência cardíaca mais anticoagulação oral, quando indicada, a estratégia mais adequada nesse cenário.

Por último, os resultados  não podem ser extrapolados para pacientes jovens portadores de FA paroxística, pois essa população não foi contemplada no presente estudo.

O presente estudo conseguiu provar o conceito de que ablação cirúrgica em pacientes que têm indicação de cirurgia de valva mitral reduz a taxa de pacientes com FA um ano após o procedimento. Novos estudos, com tamanho amostral maior e desfechos mais duros são necessários para avaliar se tal estratégia apresenta benefício clínico, pois afinal são esses que procuramos para orientar mudanças em nossa prática diária.


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