Trombectomia pré ICP no infarto com supra de ST: realizar de rotina?

       

N Engl J Med 2015; 372:1389-1398 April 9, 2015DOI: 10.1056/NEJMoa1415098


        Sabe-se que uma proporção significativa de pacientes que sofrem um infarto agudo do miocardio apresentam prejuízo persistente do fluxo sangüíneo microvascular apesar de uma reperfusão bem sucedida. O mecanismo que leva a essa disfunção permanece incerto, mas supõe-se que a embolizaçao de microtrombos durante a realização de Intervenção Coronariana Percutânea (ICP) possa ser um contribuinte importante. Com o objetivo de testar a hipótese de que a retirada manual desses trombos poderia melhorar perfusão e reduzir desfechos clínicos, alguns estudos foram realizados e serviram de base para mudanças de conduta, embora não tivessem poder suficiente para isso. 
           Em 2008 foi publicado o estudo TAPAS. Um ensaio clínico randomizado, unicêntrico, com 1071 pacientes, desenhado com  o objetivo primário de avaliar perfusão miocárdica durante a realização de ICP no IAM, através da comparação do "blush" no grupo submetido a aspiração de trombo versus grupo ICP convencional. Os resultados do estudo mostraram uma melhora no grau de perfusão miocárdica no grupo submetido a trombectomia, um desfecho considerado extremamente "soft". Porém a partir da análise de desfechos secundários, os autores concluíram que ocorreu um aumento da mortalidade total e do desfecho composto de mortalidade por causa cardíaca e IAM não fatal no grupo ICP convencional quando comparado ao grupo submetido a trombectomia. Apesar da falta de poder do estudo TAPAS em relação a tais desfechos, visto que além de retratar a experiência de um único centro, não foi desenhado com aquele objetivo, as Diretrizes passaram a recomendar trombectomia de rotina durante procedimento de ICP e sua aplicação cresceu rapidamente na prática clínica.  
        Após a publicação dos resultados do TAPAS, metanálises sugeriram que a trombectomia poderia aumentar o risco de AVC, entretanto esse achado foi interpretado com muita cautela pelo fato de ter sido baseado em um pequeno número de eventos. Posteriormente foi publicado um estudo maior, randomizado, multicêntrico, que incluiu mais de 7000 pacientes com IAM com supra de ST, o estudo TASTE. Os pacientes foram randomizados para serem submetidos a trombectomia pré ICP ou apenas ICP. O desfecho primário, agora sim de grande impacto, foi mortalidade por todas as causas em 30 dias. O estudo TASTE não mostrou redução na mortalidade em 30 dias e em 1 ano com o uso rotineiro da trombectomia.  A partir de então o valor da trombectomia de rotina durante a ICP passou a ser novamente questionado. Foi com o intuito de resolver esse dilema científico que um estudo ainda maior foi realizado, o estudo TOTAL.  
          O estudo TOTAL foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, controlado, aberto, que incluiu 10732 pacientes em vigência de IAM com supra de ST. Os pacientes foram distribuidos aleatoriamente entre dois grupos. Em um dos grupos os pacientes foram submetidos a trombectomia manual antes da realização da ICP e no outro grupo os pacientes foram submetidos apenas a ICP. O desfecho primário, assim como no TASTE, foi de grande impacto: um composto de morte por causas cardiovasculares, infarto do miocardio recorrente, choque cardiogênico ou insuficiência cardíaca NYHA classe IV no segmento de 180 dias. O desfecho de segurança foi acidente vascular cerebral em 30 dias.
           A média de idade dos pacientes do estudo TOTAL foi 61 anos, a maioria dos pacientes eram do sexo masculino, com IAMCSST Killip I e oclusão total da artéria culpada, com fluxo TIMI zero antes da ICP. 5372 pacientes foram submetidos a ICP com trombectomia e 5360 a  ICP isolada. Não houve diferença entre os grupos em relação ao desfecho primário, tendo ocorrido em 347 dos 5033 pacientes (6.9%) no grupo trombectomia versus 351 dos 5030 pacientes (7.0%) do grupo da ICP isolada (HR no grupo trombectomia: 0,99; 95% de IC, 0.85 a 1.15; P= 0.86). A taxa de morte cardiovascular e a ocorrência do evento primário associado a trombose do stent ou revascularizaçao do vaso alvo também foi similar entre os grupos. No entanto, com relação ao desfecho de segurança, houve um aumento de AVC no prazo de 30 dias no grupo submetido a trombectomia ( HR: 2,06; 95% de IC, 1.13 a 3.75; P= 0.02). 
         Os resultados do estudo TOTAL seguem portanto na mesma direção dos resultados encontrados no estudo TASTE. No entanto, na prática clínica, o resultado desses dois estudos não sepultam a realização de trombectomia pré ICP. O que esses estudos provaram é que a trombectomia manual não deve ser feita de rotina em pacientes com IAM com supra de ST, visto que não melhorou desfechos de grande importância como morte e recorrência de infarto  e ainda aumentou o risco de AVC. Portanto, a trombectomia manual deverá ficar reservada apenas para casos especiais, quando por motivos mecânicos torne-se necessária a remoção do trombo para possibilitar  o implante do stent de maneira adequada.

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