DAPT Score - uma tentativa de graduar e padronizar a incerteza
JAMA. doi:10.1001/jama.2016.3775.
Published online March 29, 2016.
Após resultados de diversos estudos em síndrome Coronariana
Aguda (SCA), a dupla antiagregação plaquetária (DAPT) tornou-se pilar
fundamental no manejo clínico desses pacientes, principalmente naqueles
submetidos à intervenção coronariana percutânea (ICP). Seja no Guideline
Europeu, Americano ou Brasileiro é recomendação classe I com nível de evidência
“A” o uso da dupla-antiagregação plaquetária até um ano após o evento.
Entretanto, naqueles pacientes que ao longo do primeiro ano não tiveram nenhum
evento isquêmico ou hemorrágico e fizeram uso regular da DAPT, existe a dúvida
do benefício da continuação da mesma [apesar da publicação prévia do PEGASUS
TIMI 58 (NNT próximo ao NNH)]. Ao mesmo tempo em que é plausível pensar que a
continuação da mesma agregaria benefício em redução de evento isquêmico ao
paciente (menor já que as complicações relacionadas a um novo evento ou ao
implante do stent ocorrem em sua maioria no primeiro ano), também aumentaria o
risco de sangramento. É esse benefício líquido que ainda é incerto e suscita
dúvidas no dia a dia do Cardiologista.
Nesse cenário acima descrito que surge o estudo publicado no
JAMA em março de 2016 que tem como objetivo a criação de um escore líquido e
simplificado para avaliação de isquemia vs sangramento nesses pacientes,
objetivando discriminar aqueles que apresentariam máximo benefício da
continuação da DAPT daqueles em que a continuação da mesma traria o maior
prejuízo.
Utilizando de uma análise secundária do estudo DAPT
(publicado em dezembro de 2014 no NEJM) esse estudo selecionou pacientes acima
de 18 anos que foram submetidos à ICP e após um ano de uso regular de DAPT e
não apresentaram eventos isquêmicos ou hemorrágicos. Pacientes em uso de ACO;
que necessitariam suspender a dupla-antiagregação por mais de 14 dias
(procedimentos cirúrgicos) ou que tinham expectativa de vida menor que três
anos foram excluídos. Os pacientes foram acompanhados durante 12 a 30 meses (ou
18 meses após randomização). Como desfecho primário de isquemia foi escolhido um
composto de IAM e trombose provável/definitiva de stent, ao passo que
sangramento moderado a grave (critério GUSTO) foi definido como desfecho
primário de hemorragia. Foi feita uma análise de subgrupo com pacientes que
tiveram implantados o stent everolimus.
Através de análises de variáveis clínicas e de procedimento, os autores buscaram
identificar variáveis relacionadas exclusivamente a evento hemorrágico ou
isquêmico, confeccionando um escore líquido simplificado que poderia variar de
-2 (maior risco de evento hemorrágico – menor benefício) a 10 (maior risco de
evento isquêmico – maior benefício da DAPT) com um ponto de corte definido
pelos autores de ≥ 2. Parece-nos plausível apenas levar em considerações
variáveis que se prestaram para predizer apenas um modelo ao invés de ambos,
pois caso contrário ficaria difícil determinar se tal variável levaria a um
maior risco isquêmico ou hemorrágico, confundido a análise.
Como validação externa os autores utilizaram o estudo
PROTECT (Lancet outubro de 2012), tendo como justificativa o alto número de
pacientes submetidos à ICP e ao fato das definições e desfechos serem
semelhantes ao do estudo DAPT. Entretanto, devido ao fato do uso do
Tienopiridínico não ter sido randomizado nesse estudo, sua análise foi
retirada, pois poderia gerar confundimento (viés de tratamento). Entretanto,
essa conduta com certeza reduziu a habilidade entre os modelos de predizer
isquemia/hemorragia.
As variáveis escolhidas para compor o escore simplificado
foram: idade (<65 anos 0pt; 65 a 75 anos -1p e > 75 anos -2p); tabagismo
1pt; diabetes mellitus 1pt; IAM à apresentação 1pt; IAM ou ICP prévios 1pt;
stent paclitaxel 1pt; diâmetro do stent < 3mm 1pt; IC ou disfunção de VE 2pt
e endoprótese vascular 2pt. Pode-se observar que a quase todas as variáveis
dizem respeito a risco de isquemia e apenas a idade avançada como preditora de
sangramento. Podemos inferir que o modelo criado teria uma melhor performance em
discriminar os pacientes com elevado risco de isquemia. Além disso, pacientes
coronariopatas geralmente apresentam, pelo menos, dois dos fatores de risco para
isquemia contemplados no escore, nos fazendo manter na maioria dos cenários a
dupla-antiagregação plaquetária.
Quando avaliado nos diferentes desfechos de isquemia, os
pacientes com escore ≥ 2 e que mantiveram a dupla-antiagregação tiveram redução
de desfecho estatisticamente significante no que diz respeito a IAM (1,6 vs
4,1%) ; trombose de stent (0,3 vs 1,7%); IAM ou trombose de stent (1,6 vs 4,3%);
MACE (3,4 vs 6,0) com incremento dessa diferença em pacientes com escore ≥3. Quando
avaliado através da incidência cumulativa de IAM ou MACE através da curva de
Kapplan Meyer, os pacientes com escore ≥ 2 e que mantiveram a
dupla-antiagregação plaquetária tiveram menor mortalidade em relação ao grupo
placebo (p <0,001 para ambas as análises)
Em relação aos desfechos de Hemorragia, pacientes com score
de 0 a -2 que mantiveram a dupla antiagregação plaquetária tiveram maiores
eventos hemorrágicos quando comparados ao grupo placebo (3,7 vs 1,7 com p
0,04). Quando avaliados morte, sangramentos moderados e sangramentos graves não
foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.
Esse achado pode ser explicado pela provável reduzida capacidade do modelo em
predizer eventos hemorrágicos devido ao fato de apenas haver uma variável de
sangramento no escore simplificado. À análise de incidência cumulativa pelo
método de Kaplan Meyer mostrou que paciente com score entre 0 e -2 que
mantiveram a dupla-antiagregação tiveram mais eventos hemorrágicos moderado a
grave em relação ao grupo placebo (p <0,01).
Resultados similares foram observados na análise de subgrupo
com Everolimus, porém com menor poder estatístico. Em relação à validação externa,
pacientes com escore alto tiveram 1,5% eventos isquêmicos contra 0,7% dos
pacientes com escore baixo [C 95% 2,01 (1,29 a 3,13) com p 0,02]. Quando
avaliados eventos hemorrágicos moderados a graves, não houve diferença
estatisticamente significativa.
Os escores apresentaram moderada estatística C: 0,68 (modelo
isquêmico DAPT); 0,66 (modelo hemorrágico DAPT) e 0,64 para ambos modelos isquêmico/hemorrágico
(análise PROTECT). Tendo como comparação, o CHADS2, CHA2DS2-VASC e GRACE apresentam
uma estatística C de 0,59; 0,62 e 0,80 (mortalidade), respectivamente. Em um
mundo cercado pelas incertezas, os resultados desse trabalho nos reforçam a
dificuldade em predizer um evento tão distante, apesar dos esforços da
comunidade médica em “padronizar a medicina”. Os escores são ferramentas que,
sem dúvida, nos auxiliam no dia a dia, porém a avaliação clínica e individualizada
é soberana.
Caio,
ResponderExcluirSobre sua análise do DAPT SCORE:
1. O fato de termos apenas 1 Preditor de segurança (hemorragia) invalidaria de fato a sua aplicabilidade?
2. Será que foi um erro ou é limitação o número maior de preditores eventos isquemicos?
Veja que o que desejo é reduzir o composto de eventos isquemicos de IAM e trombose muito tardia dos stents. Aqui para mim um grande valor do escore está em identificar quem teria o maior benefício com a DAPT. Como proposto pelo escore, quem tiver >|= 2 pontos terá este risco aumentado. Veja que estes pacientes poderiam se beneficiar do escore como estratégia para selecionar a extensão da DAPT. Agora em indivíduos com <2, temos baixo risco de ocorrências de desfecho isquemicos. Ora, neste caso extender a DAPT além de não ter benefícios expõe o paciente ao risco hemorrágico inerente desta terapia.
Fiquei com uma expectativa maior que conclusão de post. Esperava algo nesta linha.
Qual suas considerações?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDr Cláudio, sobre os seus questionamentos:
ResponderExcluir1- não tivemos apenas um preditor de eventos hemorrágicos, mas 4. O problema é que os outros 3 (hipertensão, doença arterial periférica e doença renal crônica) também foram preditores de eventos isquêmicos, como Vítor pontuou muito bem. Considerar o peso dessas variáveis poderia tornar a análise muito mais complicada.
2- não vejo como um erro a superioridade numérica de preditores de eventos isquêmicos vs hemorrágicos. A meu ver o estudo conseguiu distinguir com uma estatística C bastante razoável, comparável a outros scores preditores bem difundidos e aceitos na comunidade científica em geral, como também pontuado por Vítor. Talvez separar esse score em 2 e considerar a predição de eventos isquêmicos e hemorrágicos separadamente resultasse em 2 scores com uma acurácia prognóstico melhor, mas o score como está tem valor e pode ser uma ferramenta importante na escolha de quem mantém e quem pára a DAPT.
Boa noite Dr Claudio!
ResponderExcluir1- Como Caio já bem explicou: houveram mais de uma variáveis, mas devido a dualidade delas as mesmas foram retiradas da análise, restando apenas a idade como preditor de sangramento. Não acho que invalida a aplicabilidade, apenas o escore tem uma maior acurácia para predizer eventos isquêmicos do que hemorrágicos.
2- Como Caio já bem explicou não acho que seja uma erro, mas sim uma limitação como acima dito. o escore tem uma estatistica C razoável, sendo uma ferramenta a mais para nos ajudar em nossas decisões na prática diária. Talvez se a autora separasse o escore em um modelo isquêmico e outro hemorrágico (como se fosse CHADS e HAS-BLED) aumentaria a acurácia dos dois modelos em predizer aquilo que eles pretendem. Achei o estudo bem feito do ponto de vista metodológico. A autora mesmo foi reservada em suas conclusões acerca dos resultados encontrados, valorizando a incerteza que cerca nossas decisões na prática clínica. Um bom escore e elegantemente construído, porém tem suas falhas (como outros tantos), mas não substitui nossa avaliação individual do paciente, devendo o mesmo ser coautor da decisão em manter ou não a DAPT.