CONTROLE
DA PRESSÃO ARTERIAL NO AVCh ESPONTÂNEO: INTERACT 2, ATACH 2, suas diferenças e
a precipitação do Guideline americano
Controle de pressão arterial imediato em pacientes vítimas
de AVC hemorrágico espontâneo vem sendo tema de discussões há um bom tempo, na
tentativa de reduzir as complicações de morbimortalidade relacionadas ao aumento
do hematoma intracerebral. Estudos preliminares vinham apontando resultados
favoráveis ao controle da PA in(Class I; Level of Evidence A) and can be
effective for improving functional outcome (Class IIa;
Level of Evidence B).
tensivo e precoce. Até 2015, a recomendação da
AHA/ASA era de manter a PAS<180mmHg, até que foi publicado o estudo INTERACT
2 em 2013 no NEJM, o primeiro grande trial sobre o assunto, que mostrou um
possível benefício na redução de sequelas do AVCh espontâneo (desfecho
secundário) naqueles em que se iniciou a redução da PAS abaixo de 140mmHg. O
recrutamento ocorreu nas primeiras 6h do início dos sintomas, devendo já estar
controlada na 1ª hora da randomização e
mantida até o 7º dia. Não houve diferença no desfecho primário combinado
(redução de mortalidade geral e melhora da escala de Rankin modificado), mas
nesse estudo foi demonstrado segurança, uma vez que não houve diferença em
deterioração neurológica e eventos adversos. Esta publicação foi o suficiente
para que a comunidade médica americana mudasse a recomendação do guideline em
julho de 2015: For ICH patients presenting with SBP between 150 and 220 mm Hg and
without contraindication to acute BP treatment, acute lowering of SBP to 140 mm
Hg is safe
Pois bem, eis que surge em junho de 2016, também no NEJM, o ATACH 2, mais
um grande trial com desenho semelhante ao INTERACT 2, que confirmou mais uma
vez a não redução do desfecho primário combinado ( redução de
mortalidade geral e melhora da escala de Rankin modificado – 38,7% no grupo
intensivo e 37,7% no grupo padrão de PAS <180, RR 1.04, IC 95% 0.85 a 1.27,
p 0,72), porém não se observou diferença e nem tendência para a melhora das
sequelas do AVCh, e ainda por cima, evidenciou uma tendência a aumento de
eventos adversos quando se usa terapia intensiva para controle de PAS imediata,
25.6% no grupo intensivo Vs 20%, RR 1.30, IC 95% 1.00 a 1.66, p 0.05. O único
evento adverso estatisticamente significante foi a piora da função renal, porém
esta foi derivada de análise post hoc, podendo ser mera obra do acaso devido ao
efeito de múltiplas comparações, apesar de ser plausível. Além disso, não houve
diferença na redução do hematoma intracraniano após 24h da terapia, assim como
no INTERACT 2.
Algumas diferenças metodológicas entre os estudos devem
ser citadas. Primeiro, o ATACH 2 objetivou iniciar a redução da PAS nas
primeiras 4,5h do início dos sintomas, com controle pressórico devendo ser
feito nas primeiras 2h da randomização e ser mantido até as 24h. Outra
diferença foi a interrupção do ATACH 2 durante a fase final de recrutamento dos
pacientes (1000 de 1280 objetivados para um poder de 90%) devido à futilidade
da terapia.
E se questionássemos que o ATACH 2 tenha sido um estudo
falso negativo? Pouco provável. Não houve grandes vieses metodológicos, o trial
era capaz de assumir um erro tipo II de 10% e os resultados entre os grupos
foram muito semelhantes. E o INTERACT 2 ser uma obra do acaso (falso positivo)?
É possível, já que o desfecho que mostrou uma potencial diferença foi o
secundário e não o primário, para o qual o estudo foi planejado. E se a
diferença entre eles pudesse ter ocorrido devido a duração da terapia intensiva
(até 24h x até 7 dias)? Também é cabível.
Unindo os conceitos trazidos nos 2 estudos, dúvidas se
mantêm: em qual perfil de pacientes com AVCh espontâneo devemos objetivar um
controle mais intensivo ou parcimonioso da PAS? Quanto mais precoce a redução,
melhor? E quanto a duração da terapia, será que sendo mais longa como 7 dias
teria melhor benefício? O controle mais intensivo reduz ou não sequela de AVCh
espontâneo? Controle intensivo é seguro? Dúvidas estas que podem ser melhor
esclarecidas através de metanálise desses dois grandes trials aliados aos
estudos anteriores menores, a qual poderá melhor precisar os desfechos e
identificar o motivo das diferenças de resultados entre eles. Além de novos
grandes estudos para também ajudarem na resolução destes e dos outros
questionamentos.
Talvez o AHA/ASA tenham se precipitado quanto à orientação
do controle intensivo da PAS no AVCh espontâneo usando apenas o INTERACT 2 com
seu resultado de desfecho secundário, e tenham também exagerado na classificação
dos níveis de evidência/recomendação (Classe I, nível de evidência A para
segurança; e Classe IIa, nível de evidência B para melhora funcional). Talvez,
classificar as recomendações de forma mais singelas e aguardar outros estudos
para melhorar os graus de recomendação fosse o mais adequado, pois uma orientação
deve primeiramente ser embasada em benefício, e depois avaliada a sua
segurança, e não o oposto.
INTERACT 2: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1214609#t=article
ATACH 2: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1603460#t=article
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