Série DAC : OASIS -5 – Fondaparinux: a peça que faltava no tratamento da SCA?
Duas décadas foram o necessário para que ocorresse uma
completa revolução no tratamento das síndromes coronarianas agudas, desde a introdução da heparina não
fracionada até o tratamento empregado
atualmente.
O primeiro ato dessa revolução ocorreu em 1988, com a
introdução da heparina não fracionada e sua comprovada redução na ocorrência de infarto e angina
refratária nos pacientes com angina instável.
Na década seguinte, em 1997, o ESSENCE trial consagrou a Enoxaparina como droga superior à HNF ao comparar o desfecho combinado de morte, infarto, re-infarto e angina refratária em
pacientes com angina instável, com as vantagens
adicionais da comodidade na posologia, menor interferência na função plaquetária,
efeito menos errático e sem necessidade de monitorização e ajuste de dose. ( http://cardiologiahsr.blogspot.com.br/2016/06/serie-dac-essence-trial-e-desnecessaria.html)
Entretanto, mesmo com
tantas vantagens sobrepostas à HNF, a Enoxaparina manteve uma grande desvantagem:
não reduziu a ocorrência de sangramentos maiores. Pacientes com angina instável
e IAM sem Supra de ST passaram a ter menor risco de evoluir para IAM transmural
ou angina refratária, mas continuavam sob o mesmo risco de sangramento
intracraniano, hemorragia digestiva e sangramentos catastróficos e
potencialmente fatais.
Em março de 2006 o NEJM publicou o artigo intitulado “Comparação
entre Fondaparinux e Enoxaparina em Síndromes Coronarianas Agudas”, referente
ao ensaio clínico OASIS-5 (Fifth
Organization to Assess Strategies in Acute Ischemic Syndromes Investigators).
Este trial tentava responder a uma importante questão: seria o Fondaparinux não
inferior à Enoxaparina em reduzir a ocorrência de eventos isquêmicos nos
pacientes com SCA, conferindo entretanto menor o risco de sangramentos graves em
relação à Enoxaparina?
O OASIS-5 foi um ensaio
clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego e duplo-simulado (“double-dummy”),
desenvolvido de forma independente pela Universidade McMaster em
parceria com a Hamilton Health Sciences, Canadá. Comparou o Fondaparinux com a Enoxaparina em
pacientes com angina instável ou IAM sem supra de ST em 576 centros de 41
países, com um número amostral de mais de 20 mil pacientes.
O objetivo primário referente à eficácia era demonstrar a
não-inferioridade do Fondaparinux em relação à Enoxaparina para redução de morte,
infarto do miocárdio ou isquemia refratária em 9 dias; enquanto que o objetivo
primário referente à segurança era demonstrar superioridade do Fondaparinux na redução das hemorragias graves quando
comparado à Enoxaparina.
Os pacientes foram randomizados para receber Fondaparinux 2,5mg /
dia ou Enoxaparina 1mg/kg/ 2x dia, sendo acompanhados por 180 dias após o
evento e poderiam receber outras medicações relacionadas à terapia padrão para
a SCA ou ser submetidos à ICP a qualquer momento durante o seguimento.
Foram relatados casos de trombose coronariana ou do catéter
durante a intervenção coronariana percutânea. Este fato, contudo, não
determinou a interrupção do estudo, mas houve a recomendação de utilizar HNF
para lavar os catéteres durante os procedimentos, o que não impactou no
resultado final.
O estudo mostrou a não inferioridade do Fondaparinux em
relação à Enoxaparina, com o desfecho primário de eficácia ocorrendo de forma
semelhante em ambos os grupos (Fondaparinux : 5,8 % versus Enoxaparina : 5,7 %;
hazard ratio: 1,01; 95% intervalo de confiança 0,90-1,13 - o limite de confiança superior
está bem abaixo do limite pré-especificado de 1,185, com P = 0,007 para não
inferioridade). Também o desfecho secundário de morte ou IAM demonstrou não
inferioridade (Fondaparinux : 4,1 %
versus Enoxaparina : 4,1 % ; hazard ratio, 0,99; 95 % intervalo de
confiança 0,86-1,13 – novamente o limite
de confiança superior é inferior ao limite de não inferioridade, com P = 0,005).
Com relação ao objetivo de segurança, o Fondaparinux
apresentou menor taxa de sangramentos graves em 9 dias do que a Enoxaparina (2,2 % versus 4,1 %; hazard ratio 0,52; intervalo de confiança de 95% 0,44-0,61;
P <0,001), com NNT = 52. Diferença maior foi observada nos sangramentos
menores e isto persistiu por todo o período de seguimento. Embora ambos os
grupos apresentassem taxa igual de hemorragia intracraniana, no grupo do
Fondaparinux observou-se redução do número de sangramentos graves, com
necessidade de intervenção cirúrgica e
fatais em comparação com o grupo da Enoxaparina. Na análise de subgrupos este resultado também
foi mantido, com notável diferença no subgrupo de pacientes com clearance de
creatinina < 30ml/min, sendo de 2,4% no grupo do Fondaparinux e 9,9% nos pacientes do grupo da Enoxaparina.
O OASIS-5, apesar de um não tão expressivo NNT de 52 para
redução de sangramento em 9 dias (desfecho primário de segurança) , demonstrou uma redução final nas taxas de
mortalidade entre os pacientes portadores de SCA tratados com Fondaparinux, o
que consagrou esta droga como a escolha no tratamento dos pacientes com Angina
instável e IAM sem Supra de ST, sobretudo naqueles com maiores riscos de
sangramento.
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