Serie DAC: o estudo Plato e a controvérsia do sangramento




             Depois dos estudos Cure e do Triton, foi a vez do Plato em 2009 inovar a dupla antiagregação plaquetária com o ticagrelor, também um antagonista da P2Y12 mas com uma proposta de ação mais rápida e potente, sem incrementar taxa de sangramento em relação aos seus competidores. Surge ai um paradoxo: como uma terapia que antiagrega mais não sangra mais? E embora a princípio essa negativa não fizesse sentido, o estudo mostrou de forma estatisticamente significante um desempenho satisfatório em redução de desfechos de eficácia em relação ao clopidogrel e, de forma inédita, um "não aumento em sangramentos maiores apesar de aumento de sangramentos não relacionados a procedimento". Mas por que essa análise inovadora e suspeita?
                Metodologicamente bem desenhado: randomizado, multicêntrico, duplo-cego, duplo-simulado, de grupos paralelos. Cálculo de tamanho amostral de 1780 desfechos para obter poder de 90% para detectar RRR de 13,5% no grupo Ticagrelor comparado com clopidogrel, analisado por intenção de tratar. Desfecho primário de eficácia contemplou complicações atribuídas aos eventos isquêmicos agudos cardíacos: morte por causas vasculares (algo mais subjetivo do que morte por qualquer causa), infarto e AVC. Já o primário de segurança considerou os sangramentos maiores apenas.
                Algo que vale a pena ser pontuado é o perfil de gravidade dos paciente incluídos na amostra: dos 18624 paciente incluídos no estudo, pelo menos 1/3 tiveram IAM com SST, 80% tiveram elevação de troponina e 60% infra ST. Mesmo os paciente de SCA sem SST, pela composição dos critérios de inclusão, acabaram por ter um perfil de risco considerável, ao ser notado TIMI risk > 4 em 20% dessa população.
                O protocolo do tratamento também foi bastante acertado, devendo-se ressaltar que no grupo do Ticagrelor 33% dos pacientes ainda receberam pelo menos 300 mg de dose de ataque de clopidogrel, independente do ataque da terapia do grupo. Isso não reforçaria a propensão a sangramento, uma vez que uma parcela considerável de pacientes receberia dose de ataque de 2 (ou até 3, se não usasse AAS previamente) antiagregantes diferentes? Como pode ter não ter havido mais sangramento numa condição dessas?
                Ao longo do estudo, 81% da amostra foi submetida a um cateterismo, 64% de ambos os grupos foi submetida a angioplastia e 10% a revascularização cirúrgica. Ou seja, 19% não foi submetida a procedimento invasivo algum.
                Em relação ao desfecho primário (combinado de morte vascular, infarto ou AVC), o grupo do ticagrelor teve um HR de 9,8% contra 11,7% do grupo do clopidogrel em 12 meses (RRR 16%, IC 95%, 0,77-0,92) com p estatisticamente significante, o que dá um NNT de 52 (IC 95%, 37-100), classificado como moderado. Significância esta alcançada à custa de redução de infartos e óbitos vasculares. Sobre morte por qualquer causa, também houve diferença estatisticamente significante (RRR 22%, IC 95% 0,69-0,89, NNT de 71). No entanto, essa foi uma análise de desfecho secundário, o que não nos autoriza concluir que ticagrelor reduz morte por qualquer causa em relação ao clopidogrel. Houve ainda redução do desfecho primário naquele subgrupo de pacientes com tratamento invasivo planejado previamente (8,9% contra 10,6%, RRR 16% com IC 95% 0,75-0,94, p 0,003). Mas porque essa análise? Ela advêm do achado do Triton, em que prasugrel aumentou sangramento nos pacientes submetidos a angioplastia. A análise deste desfecho teve como propósito demonstrar eficácia da droga testada neste perfil.
                Quanto aos desfechos de segurança, não houve diferença entre sangramento maior entre os grupos (11,6 no grupo ticagrelor conta 11,2 no grupo clopidogrel, p 0,43). Este desfecho contempla todos os paciente que tiveram o evento, relacionados ou não a procedimento invasivo. Isto nos dá embasamento para afirmar que o ticagrelor não aumenta sangramentos maiores. Porque então o estudo se deu o trabalho de pontuar que há um aumento de sangramentos não relacionados ao procedimento?
                Ao se fazer uma análise deste desfecho, percebe-se que esta conclusão se baseou em análise de desfecho secundário, o que rebaixa esta evidência a uma geradora de hipótese. Nesta situação, prevalece a hipótese nula: ticagrelor não sangra igual ao clopidogrel. Sangra mais? Sangra menos?
                Concluindo, o ticagrelor foi capaz de mostrar redução de desfechos importantes numa população de alto risco, sem aumentar sangramento, comparado ao mais consolidado antagonista da P2Y12. O grande entrave a um maior emprego deste tratamento ainda é custo. Se num futuro próximo o gasto com a nova terapia cair ao nível do clopidogrel, este provavelmente passará a ser o tratamento de exceção e não a regra.






















Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ritmo de Marca-passo - Ricardo Sobral

ESTUDO ISIS - 2