Estudo SYNTAX: Tratamento de lesões coronarianas trivasculares ou em tronco de coronária esquerda - Cirurgia ou angioplastia com Stent Farmacológico?

http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa0804626#t=article



Os resultados do estudo SYNTAX foram apresentados ao mundo pela primeira vez no Congresso da Sociedade Européia de Cardiologia de 2008 em Munique e posteriormente, em março de 2009, publicado no NEJM. 

Multicêntrico e randomizado, patrocinado pela Boston Scientific – fabricante do stent eluído Taxus – o SYNTAX avaliou ao longo de 12 meses se a angioplastia de lesões de tronco ou lesões trivasculares seria, ao menos, não inferior à revascularização cirúrgica. O desfecho primário foi o composto de eventos cardíacos maiores ou eventos cerebrovasculares (ou seja: morte por qualquer causa, IAM, AVC) e a necessidade de repetir a revascularização foi um desfecho secundário. 

A revascularização coronariana cirúrgica (CABG) tornou-se o tratamento padrão para a DAC grave sintomática desde 1968, quando surgiu como alternativa ao tratamento clínico. Quase uma década após seu início e paralelo ao aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas e cuidados pós operatórios, surgiu a intervenção coronariana percutânea (PCI), em 1977. 

Desde então, o avanço tecnológico permitiu o aprimoramento de ambas as técnicas quase simultaneamente, gerando uma interessante disputa de custo-benefício : de um lado, cirurgias cada vez mais seguras , possibilidade de revascularização sem CEC, uso de enxertos arteriais que garantem maior tempo de patência das pontes, incisões menores e aprimoramento dos cuidados pós operatórios reduziram taxas de morbimortalidade e oclusão do enxerto. De outro lado, o advento dos stents metálicos e, posteriormente dos stents eluídos (farmacológicos), aprimoramento das técnicas e dos catéteres garantiram melhores resultados, menores índices de complicações e a possibilidade de tratamento de lesões cada vez mais complexas. Particularmente em pacientes com risco cirúrgico elevado ou até mesmo proibitivo, a ICP tornou-se uma alternativa aceitável à revascularização cirúrgica.

Entretanto, as lesões de tronco e lesões mais complexas, envolvendo múltiplos vasos (> 2), permaneciam sem dados claros baseados em evidências quanto ao benefício do tratamento com stents farmacológicos em detrimento da cirurgia. O SYNTAX se propôs a elucidar esta questão.

De caráter prospectivo, o estudo foi aplicado em 17 países, com 85 centros envolvidos e a randomização ocorreu entre 2005 e 2007, com 4337 pacientes pré-selecionados.

Foram incluídos os portadores de lesões acima de 50% no vaso alvo sem tratamento anterior, com angina estável ou dor torácica atípica, ou ainda os assintomáticos, mas com prova isquêmica positiva. Pacientes com qualquer modalidade de revascularização prévia, história de IAM ou com necessidade de cirurgia cardíaca de outra ordem foram excluídos da amostra. Os pacientes elegíveis foram avaliados por um cirurgião e um hemodinamicista concomitantemente para garantir que ambos os tratamentos poderiam ser aplicados de forma equivalente. 

Do ponto de vista estatístico, conforme citado anteriormente, o estudo estabeleceu uma comparação de não-inferioridade da PCI em relação à CABG, tomando como base um delta valor de não inferioridade < 6,6% ( intervalo de confiança unilateral de 95%). Utilizou ainda o SYNTAX score para graduar os pacientes em baixo risco (< 23), intermediário risco (23-32) e alto risco (>32) de acordo com as características anatômicas das lesões.

Dos mais de 4000 pacientes pré-selecionados, somente 1800 de fato entraram na randomização. 903 foram alocados no grupo da angioplastia e 897 no grupo da cirurgia. Um grupo de 1200 pacientes que eram elegíveis para apenas uma das opções de tratamento foram seguidos paralelamente ao estudo. O stent utilizado foi o Taxus, eluído com Paclitaxel, atualmente considerado obsoleto devido ao advento de substancias mais potentes.

E então, os resultados do SYNTAX: a ICP não passou no teste de não inferioridade em relação à CABG. A incidência do composto de eventos adversos cardíacos maiores ou evento cerebrovascular em 12 meses foi significativamente maior no grupo dos pacientes submetidos à ICP (17,8% X 12,4% ; p=0,002). A diferença absoluta foi de 5,5% com IC 95% = 8,3%. A necessidade de repetir a revascularização em 12 meses foi significativamente maior entre os pacientes tratados com ICP em relação aos cirúrgicos (13,5% X 5,9%; p < 0,001). Morte por causas cardíacas também foi maior no grupo da PCI (3,7% X 2,2%; p= 0,05), enquanto morte por qualquer causa não foi estatisticamente diferente entre os dois grupos.

Apenas a incidência de AVEI de forma isolada foi maior no grupo cirúrgico, considerando que ambos os grupos apresentavam doença carotídea e outros fatores de risco em igual número (2,2% CABG X 0,6% PCI; p= 0,003).

Apesar do balde de agua fria que foi o SYNTAX – um estudo patrocinado por um fabricante de stents que acabou reafirmando a revascularização cirúrgica como o grande tratamento da DAC trivascular e de tronco – algumas considerações devem ser feitas.

A primeira delas é que, apesar das recomendações, a escolha terapêutica deve ser feita levando em consideração algumas outras variáveis: pacientes com risco cirúrgico proibitivo mas muito sintomáticos, com lesões passíveis de abordagem por via hemodinâmica ( SYNTAX score ≤ 22) e/ ou que se recusem à abordagem cirúrgica podem ser beneficiados com a PCI. A avaliação, antes de tudo deve ser individualizada.

A segunda consideração, muito defendida pelos hemodinamicistas atualmente, é que o stent Taxus - eluído com Paclitaxel - é considerado obsoleto, uma vez que tem um potencial terapêutico na DAC muito inferior aos utilizados atualmente, eluídos com substâncias mais potentes como o Biolimus e o Everolimus.

Em 2013 foi publicado o artigo de 5 anos de seguimento do SYNTAX, sem nenhuma mudança adicional nos resultados em relação os resultados anteriores, correspondentes aos 12 meses.

Comentários

  1. Parabéns por essa publicação, está excelente. Bem escrita e muito esclarecedora Marta.

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    1. Muito obrigada, Patrick!!! Sou muito feliz em ter a influência de grandes mestres e seguir o caminho de bons profissionais egressos da nossa residência, como você!
      Nossa missão é manter o blog com o mesmo nível dos que nos antecederam! Ficamos muito honrados com esta missão!!!

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  2. Parabéns por essa publicação, está excelente. Bem escrita e muito esclarecedora Marta.

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