O tratamento percutâneo para o grupo das valvulopatias cada vez mais vem ganhando destaque, especialmente, na insuficiência mitral e na estenose aórtica. Como o tratamento medicamentoso não muda o curso natural dessas doenças, cabe a terapia cirúrgica tentar melhorar o seu prognóstico. Por exemplo, na insuficiência mitral sintomática tratada clinicamente apenas, a mortalidade gira em torno de 5% ao ano, podendo nas classes funcionais mais avançadas chegar a 12% ao ano.
Desde dos anos 2000, o terapia percutânea vem se desenvolvendo, e o primeiro grande estudo comparando tratamento percutâneo à cirurgia cardíaca (plastia ou troca valvar - padrão ouro) foi o Everest II trial, em 2011, publicado na NEJM. Veio com a proposta de demostrar maior eficácia e segurança do reparo valvar mitral percutâneo (Mitraclip) quando comparado a terapia cirúrgica convencional (plástica ou troca valvar) em 279 pacientes com insuficiência mitral avançada sintomáticos ou assintomáticos com critérios específicos (dimensão sistólica final do VE, PSAP e FA de início recente), ou seja, um estudo de superioridade. Esses pacientes passaram por critérios de inclusão/exclusão ecocardiográficos bem restritos como a área do orifício valvar mitral de pelo menos 4cm², ausência de calcificação importante no anel e a insuficiência ser decorrente dos scallops centrais A2 e P2, entre outros critérios. Nesses inscritos, a média de idade era de 65 anos e haviam 27% de IM funcionais e o restante de IM degenerativos.
Nesse trial, o tratamento percutâneo com o Mitraclip mostrou ser menos eficaz, porém mais seguro que a cirurgia convencional em 12 meses de seguimento. O desfecho primário incluía livre de morte, disfunção mitral cirúrgica e IM grau 3+ ou 4+, e os resultados foram 55% x 73% a favor da cirurgia com p0.007, sendo a disfunção da valva mitral cirúrgica o único desfecho isolado com significância estatística. Já a sua avaliação após 5 anos de seguimento (publicado no JACC em 2015), mostrou uma certa manutenção dos resultados com 44% x 64% a favor do grupo cirúrgico com p0.01.
Já quando se analisou segurança, cujos desfechos eram eventos adversos maiores em 30 dias (eg morte, IAM, reoperação por falha da cirurgia mitral, sepse, FA, necessidade de transfusão ≥2CH, entre outros), a terapia percutânea se mostrou mais segura (15% x 48%, p<0.001). Porém, destrinchando estes eventos adversos, o único de maior impacto estatístico foi a necessidade de transfusões maiores que 2 CH, sendo este já esperado, devido à queda de hemoglobina durante a cirurgia aberta, seja por perda, seja por consumo. Ou seja, para estes eventos adversos que seriam plausíveis a terapia percutânea ser favorecida, isso não ocorreu quando excluiu a necessidade de transfusão.
Assim, pode se pensar no Mitraclip como uma possibilidade terapêutica com um certo grau de eficácia para àqueles que não querem ser submetidos a cirurgia, devendo ser um paciente muito bem selecionado (como já descrito anteriormente). Mas, ainda não sabemos os seus resultados para os próximos 10, 15 anos. Extrapolando e pensando nessa terapia para idosos com risco cirúrgico elevado, ainda encontramos alguns encalços, pois um boa parte destes pacientes tem grande quantidade de cálcio nos folhetos e/ou anel, além de diversos graus de estenoses associados, que os impossibilitam da realização da intervenção.
Enfim, o Everest 2 foi muito pretensioso ao querer mostrar superioridade “logo de cara” em relação à terapia cirúrgica convencional onde bastava ser não inferior já que se trata de um procedimento de menor risco cirúrgico, apesar dos eventos adversos em 30 dias terem sido bem semelhantes no trial. Mas talvez os melhores resultados do Mitraclip fiquem com a IM secundária em outros estudos.
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