PIONEER: Continuamos sem resposta...
A presença de
pacientes com fibrilação atrial submetidos a implante de stents coronários está
se tornando rotina nos hospitais e consultórios médicos, e sempre vem a dúvida
de como será a terapia com anticoagulante e antiplaquetários associados, já que
a prevenção de AVC isquêmico e trombose coronariana não possuem uma terapia única
e eficaz neste contexto. Sendo assim, o que escolher: terapia tripla? usar um anticoagulante e AAS? Um anticoagulante e clopidogrel? E por quanto tempo deve ser mantido? Qual
anticoagulante escolher? Afinal, qual dessas escolhas é a mais segura de forma
que mantenha a eficácia?
Para responder
a esta dúvida corriqueira surgiu o primeiro grande trial sobre o assunto, o
PIONEER. Publicado no NEJM em novembro deste ano, recrutou mais de 2100
pacientes com FA (90% com CHADS-Vasc ≥2) submetidos à ICP com implante de
stents farmacológicos por DAC estável ou síndrome coronariana aguda, sendo alocados
entre 3 grupos de associação de anticoagulante e antiagregantes plaquetários: Rivaroxabana 15mg/dia + AAS (grupo 1); Rivaroxabana 2,5mg 2x/dia + DAPT (grupo 2); Warfarina com
RNI 2-3 + DAPT (grupo 3). O clopidogrel foi basicamente o tienopiridíco usado. A divisão
entre esses grupos parece simples, porém ficou confuso ao ter a formação de vários
subgrupos, onde no grupo da rivaroxabana de 2,5mg 2x/dia (baby dose) + DAPT, as
pessoas que estariam pré-definidas a usarem este esquema por 1 ou 6 meses,
passariam a tomar Rivaroxabana 15mg/dia + AAS até completar 12 meses. Da mesma
forma com o grupo com warfarina (suspenso tienopiridínico naqueles com
programação de uso de DAPT até 1 ou 6 meses, mantido AAS + cumarínico).
E de onde
basearam estas subdoses de rivaroxabana? Ora, são doses fantasiosas onde não
foram testadas sua eficácia na prevenção de AVCi na FA em grandes estudos
previamente. A dose de 15mg/dia (naqueles com função renal normal), foi
justificada pelo Woest Trial, estudo que avaliou também risco de sangramento
entre dupla e tripla terapia, porém sem poder para avaliar eficácia de
prevenção de AVCi. Já a baby dose foi mais fantasiosa ainda, ao ser baseada de
um trial que avaliou uso de DAPT + rivaroxabana (dose 2,5 ou 5mg 2x/dia) na SCA. Ou seja,
utilizaram duas subdoses da rivaroxabana com o pretexto que sangra menos, a fim
de utilizar em pacientes com fibrilação atrial. Dessa forma, usaram posologias
da rivaroxabana que sabidamente causam menos hemorragias, porém de eficácia
altamente questionáveis, e compararam ao warfarin. Nem precisaríamos desse
estudo para saber qual iria sangrar mais.
Pois bem, o desfecho
primário foi sangramento clinicamente significante durante os 12 meses de
tratamento. Os critérios de sangramento foram baseados no TIMI (TIMI maior,
menor e sangramentos que requereriam atenção médica, seja sob a forma de
internamento, acompanhamento laboratorial, necessidade de procedimento para
pesquisa do sítio, entre outros). E como era de se esperar, os dois grupos da
rivaroxabana se mostraram com menor risco de sangramento durante 1 ano quando
comparada ao grupo da warfarina - 16.8% no grupo 1, 18.0% no grupo 2, e 26.7% no grupo 3 (HR grupo 1 vs. groupo 3, 0.59; IC 95% 0.47 - 0.76; P<0.001; HR para o groupo 2 vs. groupo 3, 0.63; 95% CI, 0.50 to 0.80; P<0.001). Porém, mesmo assim, foram taxas de eventos
cujas importância são questionáveis, haja vista que a diferença de hemorragia se
deveu a eventos que requereriam atenção médica (eventos de menor impacto
clínico), enquanto o TIMI maior e menor não houve diferença estatística. Para reduzir
ainda mais o seu valor, o estudo foi aberto, podendo naqueles pacientes no
grupo da warfarina terem maior atenção/preocupação da equipe, já que se trata
de uma droga com maior potencial de sangramento.
Mas
considerando que a rivaroxabana nestas doses baixas reduzem risco de
sangramento, haveria também redução nos desfechos de isquemias
cerebrovasculares e coronarianos? Bem, esta pergunta ficou sem resposta, já que
o poder do estudo para tal foi insignificativo (11%). Ou seja, este trial
primeiro se propôs a trazer a segurança e não a eficácia (lógica invertida para
a medicina baseada em evidências – “primeiro, verei se há benefício. Tendo
benefício, verei se é seguro”). Os autores justificaram tal desenho pelo fato que
seriam necessários 40mil participantes a fim de ter poder de 90%, com uma
detecção de diferença de 15%, deixando inviável a sua realização. Uma
alternativa seria ser menos rigoroso na análise estatística, ou usar dose
sabidamente protetora de rivaroxabana (20mg/dia), como fizeram para o warfarina.
Dessa forma, através de doses
fantasiosas de rivaroxabana associadas à DAPT, o trial mostrou o esperado, que sangra menos
que a warfarina com DAPT. Agora se poderemos confiar nestes esquemas para a
prevenção de eventos isquêmicos, continuamos sem essa resposta. O PIONEER foi o
pioneiro sobre o assunto, mas seus resultados não trazem nenhuma ajuda nas nossas
decisões clínicas. Esperaremos os próximos trials com terapia tripla com uso
dos novos anticoagulantes na esperança que nos traga melhor resposta para a
pergunta iniciada no início do texto: qual dessas formas de terapia é a mais
segura mantendo uma boa eficácia? Enquanto isso, continuamos no empirismo...
http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa1611594#t=article
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