Ultrassom de pulmão: a antecipação de uma promessa
Muito
se tem falado do ultrassom beira-leito como uma ferramenta versátil, amplamente
disponível e com capacidade de dar maior rapidez a diagnósticos e terapias no
ambiente da emergência e da terapia intensiva. Embora a USG pulmonar tenha sido
concebida como possibilidade em 1989, o tema vem ganhando os holofotes nesta
última década e a técnica vem emergindo rápido, trazendo consigo um entusiasmo
da comunidade médica em geral. Alguns chegam a comparar o uso de
ultrassonografia beira-leito ao paradigma do pára-quedas – a plausibilidade de
uma hipótese ser tão extrema que não precisaria ser testada. Em meio a tanto
alvoroço, vale a pena buscar o cerne dessa ideia que hoje arrasta uma legião de
defensores da “causa”.
Uma
das primeiras e mais emblemáticas publicações sobre ultrassom de pulmão foi de
2008, da revista CHEST. Pautado no racional de prover rapidez no diagnóstico
das afecções pulmonares, o estudo se propôs a estudar uma amostra de
conveniência de 260 pacientes admitidos em unidades de emergência por
insuficiência respiratória aguda.
Versando
com um grau satisfatório de detalhes sobre os achados pulmonares ao ultrassom e
sua relação com as bases fisiopatológicas (linhas A, linhas B, lung sliding,
etc), os pesquisadores determinaram padrões de achados ao exame e confrontaram
tais padrões com os diagnósticos finais dos pacientes da amostra, estes
fechados por critérios semiológicos e de exames complementares, excluindo-se o
US.
Possivelmente
o maior erro do trabalho foi o fato de que os pesquisadores estavam cientes do
quadro clínico do paciente. Apenas a equipe assistencial foi cegada quanto aos
resultados ultrassonográficos. Isso gerou um nítido viés de aferição, como será
mostrado.
Se
um ultrassonografista experiente em US pulmonar realiza um exame em um paciente
e encontra um padrão sugestivo de normalidade, sua conclusão será em direção da
normalidade. E se este mesmo avaliador for realizar seu exame neste mesmo
paciente, porém sabendo que o mesmo tem câncer, passado recente de cirurgia ou
uma passado de trombose venosa, esse mesmo padrão de normalidade poderia
sugerir outro diagnóstico?
E se
este viés não fosse um caso à parte dentro de uma sistemática correta porém
mais um de muitos outros nessa amostra de pacientes com quadro clínico
conhecido, será que algum resultado poderia ser aplicável ao cenário real?
O
que se observou daí em diante foi o seguinte: patologias com mais de um padrão
ultrassonográfico; padrões ultrassonográficos compatíveis com mais de uma
doença. Pura e simplesmente. O que parece ter ocorrido é que, de forma geral,
qualquer padrão poderia sugerir qualquer doença, quando associada a um quadro
clínico.
O
resultado disso foram os valores de acurácia obtidos pelo US nas mais variadas
patologias: em média a sensibilidade girando em torno de 90-95% e a especificidade
em torno de 100%! Some a isso intervalos de confiança não discriminados, um
grande calcanhar de Aquiles em trabalhos de acurácia, comparável a não
discriminar o valor de p num ensaio clínico. O resultado dessa equação foi a
geração de dados estatísticos dignos de um “bom demais para ser verdade”.
Apenas para citar um exemplo, as
razões de probabilidade positiva e negativa da angio-TC para o diagnóstico de
TEP são de respectivamente 9 (moderado impacto) e 0,2 (pequeno impacto);
Importante deixar claro que este é o exame considerado padrão ouro na
atualidade. Pois bem. As razões de probabilidade positiva e negativa do US
foram de respectivamente 81 (excelente quando >10) e 0,19 (moderado impacto)!
(Razões de probabilidade positiva e
negativa são o quanto um exame aumenta ou diminui a probabilidade de um
diagnóstico de acordo com resultado, seguindo o normograma de Fegan – leitura
adicional sugerida: http://medicinabaseadaemevidencias.blogspot.com.br/2011/05)
Se
esta acurácia fosse verdadeira, deveríamos extinguir a angio-TC para o
diagnóstico de embolia pulmonar, haja vista a fantástica acurácia diagnóstica
do US para esta patologia contra um exame de acurácia inferior, logística complexa e com
potencial danoso pela radiação e/ou contraste. E não só esta mas também outras
afecções pulmonares seriam acusadas com performances de encher os olhos. Asma,
DPOC descompensada, pneumotórax, nada passaria da perspicácia do US.
É
impossível ignorar o suporte que a ultrassonografia fornece ao ambiente da
terapia intensiva. O que ainda estaria em aberto, de acordo com este estudo,
seria um adequado dimensionamento desse benefício. Plausibilidade extrema, com
certeza não. Bastante plausível e provavelmente acurado? Sim. O quanto? Esta
sim é a pergunta certa.
Comentário bastante acertivo, porém Caio o US não apresenta critérios diagnósticos para TEP e portanto não pode ser comparado a Anglo TC, podemos utilizar o US para afastar demais patologias que cursam com quadro de dispneia (cito pneumonia, sind. Alvéolo intersticial, atelectasia, derrame pleural e pneumotorax)É caso tais patologias estejam ausentes e o quadro sugestivo podemos pensar de forma mais importante no diagnostico do TEP. Outra consideração é que o US apresenta padrões bem estabelecidos para as patologias previamente citadas e por sua vez estas não apresentam características imbricadas, como foi colocado. Nao é possível ter linha A e linha B, não é possível ter padrão de estratosfera e ausência do lung slide e isso se confundir com consolidação. Portanto, é preciso ter uma curva de aprendizado, que diga-se de passagem é rápida para este método, para dar diagnósticos com acuracia, e não confundir ausência de conhecimento com imbricacao de achados US e portanto diagnósticos. Grande Abc
ResponderExcluirPatrick, vc tem razão, mas isso foi feito pelo artigo.. Acredito que o comentário de Caio quanto ao TEP foi para reforçar o quanto caricatural foi esse trabalho, que foi nos indicado como o de maior referência. Caso vc tenha um exemplo de trabalho de boa qualidade, por favor, nos envie.
ExcluirGrande mestre Patrick! Dê o ar da sua graça de vez em quando!
ExcluirO artigo demonstra com bastante clareza as sensibilidades e especificidades do US para os respectivos diagnósticos. Interessante você ter chamado a atenção sobre o US para TEP - o artigo considera um padrão de linhas A com lung sliding - um padrão normal - como detentor daquela acurácia. Não foquei agora na crítica do que foi considerado critério mas sim na acurárcia que ele forneceu. E esta sim pode ser comparada com a angio-TC.
Agora sim focando no padrão, o padrão de linhas A sugere um pulmão normal mas também sugere asma, DPOC, TEP. Já para pneumonia, não só linhas B, mas um padrão C, padrão A com derrame pleural, dentre outros, foram considerados sugestivos. Como dito, muitos padrões para uma única doença, um padrão para muitas doenças.
Não estou dizendo que o US pulmonar é inútil. Mas estamos preocupados em dar o real valor que ele merece. Nem menos, nem mais.