Usar beta bloqueadores realmente previne cardiotoxicidade por quimioterápicos ?
A cardio-oncologia é uma subespecialidade dentro da cardiologia que trás uma perspectiva de encontrar formas de proteção cardíaca, contra a agressividade dos quimioterápicos. Apesar dos avanços na sobrevida de pacientes com câncer, seu prognóstico permanece limitado pelas complicações relacionadas com o tratamento: cardiotoxicidade de agentes quimioterápicos.
A antraciclina é responsável por disfunção miocárdica precoce e tardia, relacionadas com a dose cumulativa, gerando um desequilíbrio na regulação dinâmica da função cardíaca promovendo alterações na atividade adrenérgica e apoptose dos miócitos.
Diversas estratégias tem sido propostas para reduzir a cardiotoxicidade da Antraciclina e nesse contexto, o trial entitulado Carvedilol for Prevention of Chemotherapy Related Cardiotoxicity, objetiva avaliar o papel do carvedilol, diante de evidências controvérsias suportando o uso dos beta bloqueadores para prevenir a cardiotoxicidade por antraciclinas. Racionalizando, temos que identificar que não há nenhum motivo real para que o betabloquador seja uma droga que primariamente poderia prevenir cardiotoxicidade, já que o quimioterápico, não teria um mecanismo fisiopatológico direto para evitar injúria miocárdica.
Ensaios prévios que suportam uso do Beta bloqueador tem muitas limitações do desenho: Observacional, aberto, não cego, uso de drogas cardiovasculares combinadas ou com amostra pequena; Inclusive, no recente PRADA trial, o succinato de metoprolol não foi associado com redução da incidência de cardiotoxicidade.
Então, o ensaio clínico aqui discutido teve o seguinte desenho: prospectivo, duplo cego, com randomização entre grupo controle x placebo conduzido pelo InCor e ICESP em São Paulo. Foram inclusos todos pacientes > 18 anos, com câncer invasivo de mama HER2 negativo que usassem antraciclinas, ciclofosfamida e taxano de abril de 2013 até janeiro de 2017. O desfecho primário foi o início precoce da redução da FEVE de ao menos 10% do basal até o fim da quimio em 06 meses. O resultado do estudo foi negativo, com a conclusão indicando que o uso de carvedilol não resultou em alterações significativas na função ventricular esquerda em até 6 meses de acompanhamento.
A despeito disto, na conclusão, ele enfoca na positividade do desfecho secundário de elevação da troponina I sendo significativa no grupo placebo e atenuada pelo uso de carvedilol, sugerindo um efeito protetor do carvedilol na lesão miocárdica, sendo que esta afirmação não pode ser verdadeiramente feita. Sendo que isto configura viés de análise de dados, já que ele faz a conclusão do estudo baseado nos dados de desfecho secundário.
O tamanho da amostra foi calculado com uma incidência esperada de cardiotoxicidade de 23% com uso de ANT e uma esperada redução de 8% com adição de BB, no entanto a incidência foi menor do que o esperado e o n amostral para randomização reduziu bastante diante de muitos fatores de exclusão elencados pelos autores.
Desta forma, ainda espera-se que novos estudos com maior tamanho amostral e com novas ideias mais robustas quanto medidas efetivas de diminuição de cardiotoxicidade, possam trazer as fortes evidências que precisamos para que possamos fazer, de fato, algo comprovadamente benéfico para nossos pacientes oncológicos. Enquanto isso ficamos com a hipótese nula de que o beta bloqueador não tem efeito protetor no contexto da cardiotoxicidade.
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